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Marleth Silva

O sorriso de Elizabeth Taylor

Os ingleses são terríveis. Os jornalistas também são terríveis. Outro dia, me caiu às mãos um texto escrito por um ranzinza jornalista inglês, que relatava sua indignação diante de uma foto de Elisabeth Taylor. A foto estava lá na página do jornal: um retrato colorido da estrela de Hollywood. Cabelão preto (como ela sempre teve), olhos acinzentados (sua marca registrada), a pele marcada pelos anos e pelos excessos (ela tem 75 anos e já passou por poucas e boas) e um sorriso desajeitado que exibe dentes perfeitos e branquinhos. Oops! Sorriso desajeitado? Isto não combina com Liz Taylor. Era isso que irritava o colega inglês – os dentes branquíssimos da bela senhora. Ele conclamava seus conterrâneos a manterem seus dentes com a cor que lhes deram a natureza, o cigarro e o café. Olhei bem a foto e dei razão ao colega: os dentes são perfeitos demais, brilhantes demais para uma septuagenária. Aliás, são brancos demais para qualquer pessoa. De tão perfeitos, ficaram estranhos no rosto de Liz Taylor.

Imagino Liz Taylor indo a uma recepção para arrecadar fundos para as vítimas da aids e notando que todo mundo à sua volta exibe sorrisos de pérolas alvíssimas e brilhantes. Na manhã seguinte, ela marca uma hora com o seu dentista e pede o branco mais branco. Nossos padrões estéticos são fortemente influenciados pelo grupo que nos cerca. Se você é uma estrela de Hollywood e se depara a toda hora com uma beldade escultural, vai se sentir o cocô do cavalo do Clint Eastwood se não for, no mínimo, muito bem conservada. Liz Taylor é bem conservada para os parâmetros de um morador do Cascatinha, como eu, mas sem os dentes branquíssimos estaria out na Califórnia.

A quase-regra vigente que cerca todo mundo – até moradores do Cascatinha – diz que sempre se pode fazer mais para parecer mais jovem, mais bonito e mais sexy. Como para ser bonito e sexy, segundo a quase-regra, você tem de ser jovem, pode-se revogar o trecho que fala em beleza em sensualidade. Mas juventude, ah!, esta é de lei. Como sermos desejados se não formos jovens? Como nos sentirmos humanos se não formos desejados?

A quase-regra é torta, errada, cruel. Mas existe e se espalha como radiação, como gás venenoso. Podemos não saber por que nem como, mas ela nos afeta. Elizabeth Taylor fez filmes incríveis, contracenou com o Paul Newman, casou com o Richard Burton e, a certa altura da vida, ainda precisa ter os dentes branquinhos e brilhantes como os de um bebê. Tenham dó!

Ver os seus atrativos naturais irem diminuindo com o passar do tempo não é fácil para ninguém. Porque é uma mudança que envolve perdas, porque nos lembra que o tempo passa... E, diga-se em favor de Liz Taylor, ninguém sofre mais conseqüências práticas do envelhecimento que atores e atrizes.

Se o fim da imagem tradicional do idoso nos liberta para sermos na maturidade o que cremos ser, por outro lado o que tomou o seu lugar nos acorrenta a uma ilusão, a da eterna juventude. Como a juventude não é eterna, sofremos. Sofreríamos de qualquer maneira com isso – uns mais, outros menos. É humano. Desumano é não nos deixarem em paz com nossos dentes opacos, rugas, calvície, pele flácida, história e sabedoria.

Marleth Silva é jornalista.

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