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Marleth Silva

Orquídeas, costelas-de-adão e outros mistérios

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A jardinagem inclui a convivência com segredos. Surpresas, são muitas. O zelador passa levando uma enorme flor branca. Vou atrás para saber o que é. Alguém jogou fora uma cactácea, ele pegou e prendeu em uma árvore. Ficou lá, com jeitão de planta morta, uns galhinhos ressequidos, as bordas deformadas. Seis anos depois, nasce uma flor enorme, desproporcional ao tamanhico do caule. É uma dama-da-noite. Seis anos de uma quase hibernação e um dia a planta esquecida dá uma flor digna de exposição.

Peguei um raminho, plantei e agora aguardo que daqui a seis, sete anos uma flor branca, rara e escandalosamente bonita me surpreenda. É um investimento para o futuro.

Já vi isso acontecer antes. Muitos anos atrás uma vizinha me deu uma muda de buganvília, também chamada de primavera. Veio em uma lata de óleo grande. Eu sabia que iria mudar de casa, por isso não plantei a primavera. Depois de seis meses, no novo endereço, achei um canto para ela. Lá ela permaneceu, sem ganhar novos galhos nem crescer nem florir por longos três anos. Achei que o período na lata de óleo havia prejudicado a muda. Um dia olhei para ela e pensei: "Vai dar em nada. Melhor arrancá-la e plantar outra coisa nesse pedacinho de terra". Mas arrancar uma planta viva (ainda que moribunda) é ato que dói. Não cometi a eutanásia naquele momento e me dei um tempo para tomar coragem. Quando voltei, dias depois, havia botões de flores na primavera, os primeiros em todos aqueles anos. Em seguida vieram brotos, galhos e a planta cresceu. Continua lá e só não está melhor porque vive espremida em um canto, tentando invadir a casa do vizinho. Juro que não minto, que não fantasio. Foi assim que aconteceu.

A orquídea que há muito tempo amarrei na única árvore do meu minúsculo jardim também garantiu sua sobrevivência e minha eterna gratidão ao me surpreender com uma solitária flor, depois de muitas estações do mais completo silêncio. Eu nem olhava mais para ela.

Ao lado da orquídea, crescia timidamente uma costela-de-adão mais velha que muitos de nós (meus pais pegaram a primeira muda no quintal da casa onde vivíamos, em Imbituva, nos anos 70). Este ano a costela-de-adão tomou um novo vigor e desandou a abrir folhas enormes, daquelas que merecem ser fotografadas, desenhadas, exibidas em vasos de cristal na entrada de um salão de festa.

Também nasceu um fruto, uma espécie de pinha alongada que apareceu bem perto da orquídea. Fui ver o fruto e descobri uma orquideazinha. A primeira! Uma linda flor solitária, que sobreviveu uns 20 dias e acho que só não viveu mais porque uma chuva forte fez estragos.

O tempo das plantas não é o tempo dos homens. Somos apressados, cada vez mais. E levianos, queremos a beleza pronta, Não dá para fazer um jardinzinho mais ou menos bonitinho. Os jardins têm de nascer prontos, perfeitos. Por isso as plantas são compradas e enquadradas no planejamento, na estética da moda. Nada de trazer mudinhas miúdas e tortinhas, de pedir um pezinho para a vizinha e esperá-lo crescer. Mas, se "sete anos de pastor Jacó servia", por que não esperar sete anos para ver a flor mais linda? "Os dias na esperança de um só dia / passava, contentando-se com vê-la" – o pastor de Camões queria ver Raquel. Eu me contento com a flor branca que um dia, quem sabe, nascerá naquele galho imperfeito e raquítico. Quanto mais imperfeito e raquítico o galho, maior será a minha surpresa.

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