| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Caminhar é bom exercício e ajuda a pensar. Os budistas falam em meditar caminhando. Escritores (vários deles) fizeram do caminhar uma parte do processo de criação. Você caminha, sua mente fica livre e estimulada, provavelmente menos ansiosa, e então você tem aquela combinação de liberdade e organização mental que ajuda o trabalho a fluir. Estamos todos de acordo até aqui, não é? A questão que me coloco é: caminhar onde?

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Se você que me lê mora no Litoral, a sua resposta está na ponta da língua. Uma praia, vazia ou não, é uma passarela perfeita para nossos pensamentos. De um lado está a cidade, mas do outro está o mar. E o mar... ah, o mar é o companheiro perfeito para o cérebro que devaneia. Melhor ainda, na areia há menos obstáculos para nossos pés do que em uma calçada de qualquer cidade. Aliás, talvez nem haja calçadas onde você mora. Se houver, elas podem não ser conservadas e ininterruptas. Em passeios assim dá para caminhar, mas não para devanear.

Ontem andei um pouco, no bairro e no Centro. Sobre o bairro, não posso reclamar das calçadas porque não as encontrei. Havia trechos de grama, de barro (garoava), de arremedos de calçamento em frente a uma ou outra moradia. Peguei um ônibus e desci no Centro.

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No Centro as calçadas existem, mas se são boas ou não, deixo para outra conversa. O que nos distrai da caminhada no Centro são os tipos humanos que circulam por lá. Impossível não notar os mendigos e moradores de rua, o sujeito que canta em voz alta algo que acaba de compor, os Hare Krishna e os esquisitos em geral. Os esquisitos são atraídos pelo centro de qualquer cidade, assim como os corpos são atraídos pelo centro da Terra. É assim que atua a força gravitacional do centro, de qualquer cidade, em qualquer país do mundo.

(E quem estou chamando de esquisito? O leitor pode perguntar, mas não respondo, já que a classificação é muito subjetiva. Até porque sei que você entende do que estou falando.)

O caminhante, seja ele filósofo peripatético ou pensador ao estilo de Thoreau, um budista sem templo ou uma alma angustiada precisando relaxar, não encontra a paz no Centro. Pior, tem seus movimentos limitados pela dinâmica comercial do lugar. Se em um campo ou na praia você pode parar, fixar os olhos em uma direção qualquer e ficar lá pensando na vida (ou na morte, que é sempre um grande tema), na cidade há de ser prático. Parado, você pode causar medo, atrapalhar o fluxo dos pedestres ou até ser confundido com os esquisitos. Mesmo que ninguém nos conheça, temos pudores quando estamos em locais públicos. Eu, um dos esquisitos que perambulam sem nada para fazer? Tenho uma reputação a zelar!

Se você mora em um bairro com calçadas e pouco trânsito, onde atravessar a rua em cada esquina não exige paradas que atrapalham o ritmo da caminhada, jogue suas mãos para o céu e agradeça.

Por essas e outras o ser humano moderno inventou as viagens de fim de semana, quando muitos fogem para as chácaras e imóveis na praia, lugares onde podem caminhar e parar sem se sentirem esquisitões; inventou também os parques urbanos – e aqui vai nossa homenagem mais sincera ao inventor desses espaços maravilhosos, aos que os preservam e aos que batalham para criá-los. Para a maioria de nós, não haveria caminhadas meditativas ou filosóficas se não houvesse parques. O parque é a rus in urbe, expressão latina que os ingleses gostam de usar e que nós abandonamos. É o "campo na cidade".

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Jean-Jacques Rousseau, que passou toda a vida filosofando e escrevendo, também passou a vida caminhando. Idoso, em Paris, olhou para trás e fez um relato intitulado Devaneios de um Caminhante Solitário. Chamam atenção no livro os passeios diários pelo campo e as viagens que ele fazia a pé, quando jovem. O rapaz simplesmente punha o pé na estrada e ia. Ia e vivia. Eram aventuras e descobertas, que usava para formar suas opiniões sobre o mundo.

Os europeus continuam sendo grandes caminhantes, daqueles que compartilham rotas, organizam-se em grupos e se mobilizam para garantir o direito de atravessar propriedades privadas. Comparados com eles, nós, brasileiros, ainda engatinhamos.

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