Listas, quaisquer listas, são tentadoras. Dia desses me deparei com a lista de "os 10 melhores filmes de todos os tempos" segundo as preferências do professor de Direito e ensaísta Stanley Fish, que mantém um blog no site do The New York Times. Grandes títulos estavam lá: Crepúsculo dos Deuses, Shane, Rio Vermelho, Um Corpo que Cai, e por aí vai, com poucas surpresas. Muitos dos leitores do jornal que escreveram para comentar os "10 mais" do senhor Fish questionaram o fato de quase todos terem mais de 50 anos. Eram cinco filmes da década de 40, três dos anos 50, um de 1980 e um de 1993. O mais novo da lista era O Feitiço do Tempo (aquele em que Bill Murray fica preso em um determinado dia: toda manhã ele acorda e descobre que o tempo recuou 24 horas). Educadamente, os leitores insinuavam que Fish está mal informado ou é saudosista. Pois eu acho que os leitores subestimaram o fator tempo.
Claro que foram rodados grandes filmes nos últimos 20 anos. Mas eles concorrem com o que foi filtrado pelo tempo ao longo de cem anos de existência do cinema. O tempo seleciona tudo, elementos da vida humana, da natureza ou da arte. Com a arte, é implacável. Não sei se é justo, desconfio que não. Mas aí o problema deve estar na raiz da história, nos contemporâneos que não prestaram atenção ou não preservaram o que lhes passou pela mão. O fato é que o Senhor Tempo é duro com livros, filmes, músicas e com as artes visuais. Se forem fraquinhos ou se embarcaram nos modismos da época em que foram produzidos serão enterrados mais cedo ou mais tarde.
No filme Busca Frenética, dirigido por Roman Polanski em 1988, Harrison Ford fica bem impressionado quando Emmanuelle Seigner, no filme uma moçoila uns 30 anos mais nova que ele, diz que gosta de música antiga. Ele supõe que ela se refere à música erudita ou ao jazz dos anos 50, por exemplo. E ela explica: adora canções pop de uns 10 anos antes. Ah, tá... diz a expressão desolada no rosto do Indiana Jones. Olha o filtro do tempo mostrando suas garras no roteiro do Polanski: dentro do universo da moça (20 anos de vida e um repertório de informação limitado) também ocorria uma seleção natural das canções que chegavam até ela. E ela preferia as "antigas".
O ser humano é que não nasce com filtro para o tempo. Tendemos a achar que o nosso tempo é absoluto. Antes dele não existiu nada. Depois dele... Aí nos dividimos entre os que nem perceberam que um dia o tempo acabará para nós (não são só os outros que envelhecem e morrem?), os que pensam que tudo que não for da "minha" geração não presta e os que estão perdidos. Perdidos porque percebem que há grandes, boas e péssimas coisas produzidas centenas de anos antes de nossa geração e que outras coisas incríveis ou fantásticas, ou horrorosas vão continuar surgindo enquanto eu vou embora. Os perdidos (entre os quais quero me incluir) se perguntam: como fico eu no meio desse barulho? E os filmes fantásticos que eu vi e nem lembro direito? Meu palpite: façamos nossas listas de tudo que é bom e vejamos tudo de novo. No mínimo, vai ser um prazer a mais na nossa vida.
Marleth Silva é jornalista.
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