| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Tem pai que é cego, dizia no século passado o Tavares, personagem do Jô Soares. Discordo. Os pais sempre enxergam, mas escolhem o que querem ver. A cegueira temporária dos pais reflete o que eles pensam. Vejam as situações recentes envolvendo pais de manifestantes. Houve aquele caso em São Paulo, mostrado pela tevê. Um funcionário público de 50 anos invadiu um protesto no dia da abertura da Copa após reconhecer seu filho, de 16 anos, que estava com o rosto coberto com um pano preto. O garoto resistiu, os outros manifestantes o apoiaram, mas o pai resumiu: "É meu filho", e arrastou o menino para casa.

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O nome do pai é Osvaldo Baldi e ele foi claro sobre sua motivação. Temia pela segurança do filho que, mascarado, se tornaria alvo da reação policial. Também discorda da tática: "Rosto tampado não é manifestação", disse ele a uma emissora de tevê. "A partir do momento que meu filho cobriu o rosto, ele perdeu o direito de reivindicar qualquer coisa." O garoto participou de manifestações em 2013, levado pela mãe. No dia da abertura da Copa, saiu escondido da família, provavelmente porque já tinha entendido que o protesto não era do tipo que seus pais aprovavam. Em resumo, aquele pai não era contra a ideia de protestar contra as mazelas brasileiras, mas queria proteger a integridade física do filho e discordava da estratégia de protesto usada.

Quatro dias depois, era Curitiba que estreava na Copa. Um grupo de manifestações fez protesto contra o evento pichando ônibus e quebrando agências bancárias, lojas e mobiliário urbano no Centro da capital. Usavam panos pretos para cobrir os rostos. Quatorze deles foram detidos. No dia seguinte, entre os familiares que estiveram na porta da delegacia para pedir informações, uma mãe dizia: "Não apoio as manifestações, mas sei que meu filho é pacífico; não faz parte de gangue". Ela pode estar certa quando diz que seu filho não faz parte de gangue. Mas tenta eliminar uma evidência: ele fazia parte de um grupo que circulou por algumas quadras quebrando vitrines de propriedades alheias; ele preferiu permanecer no grupo.

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No mesmo grupo de familiares, outra mãe declarou: "É uma atitude pertinente aos jovens [fazer manifestações]. Eles têm ideologias, decepções com o governo, gostam de protestar. Não apoio o vandalismo, mas apoio que meu filho tenha liberdade de expressão". Aqui o cenário é diferente. Esta mãe deixa claro seu apoio ao filho que quer protestar e coloca isso em um patamar que se sobrepõe ao seu repúdio ao vandalismo. Acima de tudo, o importante para ela é a liberdade de expressão, mesmo que ela venha na forma de violência contra o patrimônio público e privado. A mãe enxerga e, no que enxerga, não vê nada de errado.

Nesses três casos, os pais não eram cegos. Viam o que os filhos faziam e reagiram de acordo com suas convicções. Um deles era contra a estratégia black bloc e, ao ver o filho com o rosto coberto, entendeu que o garoto estava se envolvendo com as conse­quências daquela estratégia. Preferiu tirá-lo de lá, mesmo enfrentando o constrangimento de se ver em imagens exibidas pela televisão. Outra mãe não aprova o protesto violento, sabe que seu filho fazia parte dele, mas prefere dizer que ele estava lá com boas intenções, o que o livraria de responsabilidade. A segunda mãe não vê nada de errado no que aconteceu porque entende que a liberdade de expressão está acima de tudo e – aparentemente – em seu raciocínio, o quebra-quebra é uma forma de expressão legítima.

O Tavares, que era um pai bobo e preconceituoso, não via porque não queria ver. Pai não é cego, só é da turma do Tavares.

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