Na edição da revista Piauí que está nas bancas, há uma entrevista com a corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon feita pela repórter Daniela Pinheiro. Vários episódios relatados mostram que Eliana é uma daquelas pessoas que vai, ao longo da vida, provocando inimizades por causa da sua franqueza. A certa altura, a repórter pergunta: "A franqueza a prejudica?" E a corregedora responde: "Não acho. O problema é que não temos a cultura da sinceridade, do pão-pão, queijo-queijo, sobretudo no Judiciário".
Tem toda razão, excelentíssima ministra. Não temos a cultura do pão-pão, queijo-queijo. Temos, sim, a cultura do pão de queijo, essa invenção brasileira que não é uma coisa nem outra. Carboidrato que esconde proteína. Agrada a gregos e troianos. Confunde.
Quando se trata de dizer o que pensa, os brasileiros como povo, como cultura são uns incompetentes. Brasileiro não é franco e ponto final. Os francos são vistos como uns bárbaros, uns visigodos, uns ostrogodos. Franqueza por aqui ofende. Por gentileza, caridade, não dizemos o que pensamos alí, na cara dura. É difícil demais para a maioria dos brasileiros ser franco. Até dizemos depois, pelas costas, para outras pessoas. Mas isso já é outro assunto.
Esse padrão de expressão cheio de subterfúgios revela também nossa postura diante do mundo. Mesmo em relação a alguém que sabidamente fez algo errado, somos capazes de esmorecer se enxergamos ali um ser humano que estava apenas querendo "o melhor para a família", por exemplo. Não vamos até o fim nas punições se formos tocados no coração. Somos moles. Na hora de responsabilizar e punir, também somos um país "pão de queijo".
Não estou falando aqui como alguém que põe o dedo na ferida dos outros. Eu sou assim! Me assusto com os francos e me enrolo para falar verdades mais duras. Ou nem falo. Não acho que ser assim é bacana, não. Não me orgulho dessa gentileza que me faz tomar caminhos oblíquos quando resolveria melhor as questões se fosse mais direta. A questão é: a cultura em que nascemos é determinante no nosso modo de agir. Dá para escapar? Dá para tentar ser diferente?
Brasileiros que convivem com europeus (especialmente os do Norte) notam a falta de rodeios e, depois do choque inicial, acabam por perceber vantagens na franqueza. Mas assimilar uma nova postura que contradiz sua cultura é difícil. Exige vigilância, reflexão constante. A cultura é o oposto da reflexão. Os traços culturais que absorvemos no nosso país são ativados instintivamente; eles se sobrepõem ao intelecto. Se um brasileiro decidir ser mais direto e dizer o que acha certo sem subterfúgios, terá de se vigiar o tempo todo.
E a Eliana Calmon? O caso dela e de outras pessoas sem papas na língua desmentem meu raciocínio? Acho que não. Elas são as exceções que confirmam a regra, personalidades que se impõem e que vão provocando reações. Sem entrar no mérito da qualidade das observações da senhora corregedora, deduzo que se ela vivesse em outro país na Noruega, por exemplo não teria tanta história para contar sobre sustos que provocou ao dizer o que pensa.