| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Quanto maior a sensibilidade, a experiência de vida ou a cultura de um leitor, mais ele vai enxergar no texto. Será que ele não enxerga até mais do que eu consigo oferecer para ele?

CARREGANDO :)

Tenho uma pasta na caixa de e-mail onde guardo mensagens mandadas por leitores. Os leitores escrevem muito bem. Pelo menos os que escrevem para mim. Isso me deixa envaidecida porque me faz acreditar que meus leitores são pessoas especiais. Aliás, "meus leitores" é uma expressão pesada. Eles só são "meus" por alguns minutos, talvez nem isso. Porque às vezes o que o leitor entende do texto que eu escrevi não é exatamente o que eu pensei. Isso não é uma falha, de forma alguma. É parte do processo. Parte do milagre.

Assim como não somos totalmente neutros quando contamos algo porque sempre infiltramos um pouco da nossa experiência e crenças, não somos neutros quando lemos. Quanto maior a sensibilidade, a experiência de vida ou a cultura de um leitor, mais ele vai enxergar no texto. Será que ele não enxerga até mais do que eu consigo oferecer para ele? Também serão infinitamente menores as chances de esse leitor bem equipado ser enganado por um texto vazio.

Publicidade

Imagine que há um quadro na sua parede com uma pintura que você olha uma vez por semana. No verso do quadro tem outra pintura, que só eu, Marleth, posso ver. Texto em jornal ou em livro é assim. O texto é aquela pintura que qualquer um pode olhar quando quer. No verso está o que um leitor me diz e que os outros não enxergam. Pois eu lhes digo que o verso do quadro é uma beleza: é rico, é delicado. É por isso que resolvi escrever sobre ele. Achei que já estava na hora de fazer justiça a você, leitor.

Substitua a pintura por um espelho e você ainda terá uma boa metáfora sobre nossa relação. O texto talvez reflita opiniões, sensibilidades e sentimentos do leitor. Como o ser humano precisa saber que não está só, que não é só ele que pensa ou sente de uma determinada forma, é reconfortante encontrar o espelho. Generosamente, o leitor atribui ao autor a revelação de pequenas belezas que, na realidade, já eram dele.

Li outro dia que os gregos tinham uma palavra para designar a hospitalidade e a generosidade oferecida a estrangeiros. Em português esta palavra virou "xênio" e é um sinônimo de presente, mas um presente que você oferece para um desconhecido. Quem é que dá bons presentes para desconhecidos?

Pois eu ganho "xênios" de leitores quase todos os dias. Sou uma estranha, mas eles me dão suas histórias, compartilham impressões, oferecem carinho. Isso é incrivelmente generoso. Admito que me assusta um pouco. Mas – é claro – bem pior seria se me ignorassem. Penso uma vez mais sobre essa sensação que um leitor me diz ter de que eu escrevo especialmente para ele e concluo que o argentino Alberto Mangel, que passou a vida estudando a leitura, é que tinha razão. Ele dizia que nós lemos "para encontrar palavras para aquilo que nós já sabemos".

Fez todo sentido para mim, leitor. E para você?

Publicidade