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Em uma manhã qualquer do meu período de faculdade, correu a notícia de que haveria uma palestra com Paulo Mendes Campos no auditório da Reitoria da UFPR. Não lembro se fomos dispensados ou se simplesmente debandamos em busca de algo que quebrasse a rotina – a segunda alternativa é mais condizente com o nosso comportamento naqueles anos de faculdade. Será que o professor chegou à sala de aula e não encontrou ninguém? Provavelmente.

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O que posso contar com segurança é que a palestra foi inesquecível. Tanto é que mais de 20 anos depois ainda considero a experiência digna de ser contada. Fiquei encantada com o cronista, que parecia um sujeito alegre e sem pose. Devia ter uns 60 e poucos anos (iria falecer logo depois, antes de completar 70 anos) e tinha uma conversa jovial e animada. Falou de seu trabalho e contou que estava em Curitiba para visitar o filho que trabalhava com cavalos (será que o Mendes Campos Filho ainda anda por aqui?).

Os escritos do Paulo Mendes Campos estão voltando às livrarias em relançamentos da Companhia das Letras, o que é boa notícia. O homem foi bom cronista e, dizem, bom poeta – não li seus poemas. Não merece o esquecimento. Pretendo ler essas novas edições e voltar a falar dele. Por enquanto, só quero comentar uma autobiografia que ele publicou no livro Hora do Recreio, de 1967.

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É uma cronologia de acontecimentos históricos e de pequenos fatos de sua vida, descritos em um tom poético. É praticamente um poema. Começa assim:

"1922 – Semana de Arte Moderna, revolta do Forte de Copacabana, morte do papa, o rei entrega o poder a Mussolini. Nada tenho com tudo isso: simplesmente nasço."

Assim ele segue, misturando fatos com fantasias:

"1925 – Começo a ver o diabo dançando em torno de meu berço; e gosto."

"1929 – Craque na bolsa de Nova York. Pulo do bonde em movimento na Rua da Bahia, esborracho-me no chão, um Ford último modelo consegue parar em cima de mim, e quase não fico para contar a história."

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Devíamos todos fazer uma autobiografia assim para lembrar como a história dá voltas ao longo da nossa vida, o que justifica o aturdimento e confusão mental em que nos encontramos de vez em quando, sem saber se somos contra ou a favor. Tentei esboçar a minha autobiografia nos moldes de Paulo Mendes Campos e não me lembrei de quase nada. Não é tão fácil quanto parece. Tente você, leitor, e me conte depois até onde foi.

Voltando ao Paulo Mendes Campos e às piruetas que o pensamento dá, registro o que ele contou de seus 16 anos:

"1938 – Os japoneses tomam Cantão; no Hotel Espanhol, São João del-Rei, os bacharelandos do Ginásio de Santo Antônio tomam vinho Gatão..."

Outro dia – surpresa – o vinho Gatão estava em oferta no supermercado que frequento, exposto logo na entrada da loja. Comprei uma garrafa, atraída pelo nome e pelo desenho do gato azul no rótulo. É um vinho verde e, na minha ignorância para vinhos, não sei dizer se é algo especial. Digo apenas que apreciei e que ele me lembrou de Paulo Mendes Campos, que bebeu Gatão com seus colegas ginasianos enquanto os japoneses invadiam a China.

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