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Em 1976, Elis Regina cantava as palavras de Belchior sobre a transição da juventude para a vida adulta. O tom de Como Nossos Pais era melancólico e enérgico. Lá pelas tantas, aparece a frase: "Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém".

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Belchior e Elis se referem aos ídolos musicais que temos nas primeiras décadas de vida e que não são substituídos. Isso acontece com todo mundo. A adolescência e os primeiros anos da juventude são fortemente musicais. Garotos e garotas de 16 anos podem passar uma tarde inteira de fone de ouvido e olhos fechados, "curtindo". Passam-se os anos e muitos deles continuam vidrados nas canções que embalaram suas tardes sonhadoras e concluem que "não apareceu mais ninguém". A referência musical continua vindo lá de trás. Diria Elis Regina:

"É você que ama o passado E que não vê que o novo sempre vem..."

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O novo nem sempre consegue tomar conta de nossa cabeça. Uma das razões é porque amamos, sim, partes do nosso passado, especialmente a trilha sonora. Quanto mais distante no tempo, mais significativa aquela canção se torna para nós; passamos a gostar dela de uma forma talvez até mais intensa do que gostávamos no passado. A velha canção se reveste de um valor especial, emotivo, sensorial.

Outra razão é que a música, tanto a popular quanto a erudita, reflete o mundo à sua volta. Isso dá a ela uma beleza intrínseca, que só é totalmente compreendida pelos contemporâneos, que veem suas referências refletidas, mesmo que de forma velada. Para todos os demais, ainda existe a outra beleza, extrínseca, que qualquer um pode captar.

Às vezes o amor ao passado causa uma rejeição ao presente ("depois deles não apareceu mais ninguém"). Outros mantêm a mente aberta às novidades e até apreciam algumas delas. Mas, sejamos francos, é difícil mesmo para eles que o novo conquiste o mesmo espaço. O que dirá substituir os velhos amores.

Não quero que pensem que eu amo o passado, mas o fato é que eu... realmente amo algumas coisas vindas do passado. Amo a Elis. Amo o Cartola e me diga se dá para não amar alguém que fez uma canção popular com versos deste calibre:

"Ouça-me bem, amor Preste atenção o mundo é um moinhoVai triturar teus sonhos, tão mesquinhoVai reduzir as ilusões a pó"

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Amo o João Nogueira, outro poeta requintado que escreveu Espelho, falando do pai, que também era sambista:

"Ê vida voa, vai no tempo, vaiAh, mas que saudade Mas eu sei que lá no céu o velho tem vaidadeE orgulho de seu filho ser igual seu paiPois me beijaram a boca e me tornei poetaMas tão habituado com o adversoEu temo se um dia me machuca o versoE o meu medo maior é o espelho se quebrar"

Nada contra o presente e tomara que o futuro traga muita novidade. É que o tempo age como um filtro e esquecemos as bobagens que ouvimos e só lembramos os tesouros. Me recordo que, quando eu era criança, ouvia-se no rádio que "aonde a vaca vai, o boi vai atrás". O passado não era perfeito, amigos. Felizmente esqueci a maior parte dele.

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