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Marleth Silva

Polenta, frango e tocha olímpica

Na agência dos Correios, o assunto era a passagem da tocha olímpica pelo nosso bairro. Resolvi aproveitar a oportunidade para sondar quem são as pessoas que se animam a ir para a rua ver o comboio da tocha. Com a autoestima dos brasileiros ferida como está, parece que festejar os Jogos Olímpicos do Rio não é de bom tom. Em Santa Felicidade, o percurso pré-definido era curto e havia pouco movimento nas calçadas. Eram moradores do bairro com suas crianças e pessoas que trabalham por ali. Como eram poucos, dava para fazer um levantamento cabeça a cabeça. Eu poderia sair perguntando: “a senhora não deveria estar trabalhando?” Ou “seu chefe sabe que você está aqui?” Para as duas mulheres de toucas brancas na porta da panificadora eu alertaria: “Não vão esquecer o chineque no forno!”

Não fui tão antipática. As pessoas puxavam conversa umas com as outras, o que facilitou meu intento. Foi fácil perceber que um ou outro estava ali por acaso, arrastado por uma curiosidade passageira, como os três garçons que, após servir o almoço em um restaurante, adiavam a hora de ir para casa. Para eles, a atração era o fogo em si. Discutiam se ele de fato é mantido sempre aceso, se veio da Grécia, se dá para apagar jogando água. Minha pesquisa informal indicou que os três potenciais piromaníacos eram exceção. A maioria estava lá porque se interessa pelos jogos, pelos esportes. Gostariam de ir para o Rio, mas não têm dinheiro. Queriam ver os atletas. Encaram a passagem da tocha como parte da festa que acompanharão pela tevê em agosto. É o “esquenta”.

Podia ter menos ostentação e mais atletas

Os grupos que esperavam nas calçadas já tinham crescido quando ela chegou, em seu comboio extraordinário. Helicóptero, policiais de várias corporações, de moto, de viatura, a pé. Rapazes e moças com uniforme do Comitê Olímpico pedalavam. Os patrocinadores e seus veículos espalhafatosos tocavam música alta. Naquele espaço exíguo da Manoel Ribas (do restaurante Madalosso até a Casa dos Arcos), os caminhões dos patrocinadores pareciam fora do lugar, ostentação demais para pouco público. Como se uma bateria de escola de samba animasse o baile de carnaval do Clube Mercês.

A tocha veio por último. Foi carregada por um homem (não consegui identificar) e percorreu a mesma via por onde passa, uma vez por ano, a corrida de garçons – o grande momento esportivo do bairro. O que me impressionou mesmo foi a escolta, um grupo de militares que corre de forma ritmada enquanto perscruta o ambiente em busca do perigo, que ali podia aparecer até na forma de um balde d’água. Em menos de cinco minutos, a tocha estava sendo entregue a um atleta sul-africano e rumando para outro bairro.

Podia ter menos ostentação e mais atletas. Mas é fácil ser feliz em uma tarde de sol e, de espírito leve, deixamos a Manoel Ribas.

***

Também é fácil ser feliz em uma noite de verão europeu, à beira do Mediterrâneo, assistindo ao show de fogos de artifício de uma data cívica. A não ser que se tenha uma mente perturbada, como o sujeito que dirigiu um caminhão pelas ruas de Nice disposto a matar. Para alguém assim, a alegria de uma noite de verão é um ultraje, é o estopim para a insanidade.

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