| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Havia tempo em que invejávamos os cafés de Buenos Aires, onde as pessoas se sentam diante de uma xícara minúscula e por ali ficavam uma, duas horas, sem serem incomodadas. Curitiba sempre teve cafés, alguns bem originais, como aqueles instalados em quiosques no calçadão da Rua XV: no Litoral, quiosques na beira-mar vendem água de coco; em Curitiba, quiosques no calçadão vendem café quentinho. Mas esses cafés famosos de Curitiba sempre tiveram um jeitão de gueto: território masculino, espantavam as mulheres; reduto de senhores, não eram atraentes para os mais jovens.

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Nos novos cafés, que são muitos, a mistura de faixas etárias e de perfil torna o ambiente confortável, acessível, menos gueto, enfim. A surpresa é vê-los sempre movimentados, em plena tarde de dia de semana. De onde saiu essa gente toda que numa quarta-feira, às 4 da tarde, se senta para conversar diante de uma fatia de bolo de laranja? Nem sonhe o leitor que estou criticando os "desocupados". Em um mundo razoável, as pessoas não trabalhariam como loucas dias e dias seguidos, mas teriam tempo para marcar um café com os amigos no meio da tarde. Nem ficariam sem recursos, a ponto de não poderem se dar esses pequenos prazeres. Cafés lotados são sinal de que a vida segue como deve ser, com encontros e conversas, com pausas e movimento.

A qualidade do café em si também melhorou. Aquela bebida que era sempre uma surpresa porque seu sabor dependia do humor da "moça do cafezinho", que podia caprichar mais ou menos nas colheradas de pó, aquela bebida agora tem fórmula fixa nas máquinas do café. Deve haver quem lamente o fim do cafezinho coado. Eu não. Tirando a bebida preparada pela minha mãe – que não variava fosse feita com o café Damasco ou com os grãos que ela mesma torrava e moía –, os demais coados me trouxeram mais desapontamento que contentamento. Já os expressos, em geral, saem corretos. De vez em quando, saem muito bons, como aquele do Mercado Municipal, que deve ter algum segredo (o pó? A máquina bem calibrada?).

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Por enquanto os cafés curitibanos ainda estão na fase barulhenta. Na linha evolutiva dos cafés, o próximo passo é surgirem ambientes tranquilos, onde o sujeito senta para ler e até escrever, como já fizeram escritores pelo mundo afora. É bem conhecida a experiência da autora da série Harry Potter, a escocesa J.K. Rowling, que escreveu a maior parte de seu primeiro livro em cafés de Edimburgo com a filha pequena dormindo ao lado, no carrinho. Dia desses, estive em um local novo, em Santa Felicidade, onde há uma saleta reservada com estante de livros. As atendentes informam que o "o sinal do wi-fi é muito bom", um convite para o cliente fazer do café o seu escritório. É um progresso.

Há uns 15 anos, experimentei o extremo oposto, o café que não é café. Em uma viagem pelo Vietnã, que começou em Hanói, senti falta de café, que não era comum por lá. Em um fim de tarde, caminhei pelas ruas procurando um lugar em que pudesse sentar para tomar uma xicrinha. Tudo pode ter mudado porque o Vietnã estava se abrindo para o Ocidente, mas naqueles dias Hanói era uma cidade tradicional, em que o povo comia, na calçada, o alimento comprado em barraquinhas. Não se viam padarias, lanchonetes nem cafés. Depois de andar por muitas quadras, encontrei um lugar discreto, fechado, onde havia mesinhas e uma placa com o nome do estabelecimento: "Café", seguido de uma palavra vietnamita (eles usam o alfabeto latino com muitos acentos extras). Entrei, escolhi uma mesa e olhei o ambiente. Estranho, muito estranho. Só havia mulheres, algumas vestidas com roupas ocidentais (o que não era comum no Vietnã). Na minha frente, uma moça bebia algo que parecia alcóolico, olhar perdido, ar desolado. Ela me viu e desviou o rosto. Cheguei à conclusão de que "café", no Vietnã, era uma designação sofisticada para bordel. E o café que serviam? Uma porcaria.

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