Estou deitada, uma luz forte apontada para meu rosto, conversas estranhas em volta de mim. “Preciso ver os periapicais.” Temo que os periapicais sejam algum órgão escondido no fundo da minha boca, depois do dente do siso. Mas a auxiliar entrega uns exames para a dentista, ela fica satisfeita e prossegue.
Restauração, prótese: O que fiz para merecer isso? Não escovou os dentes direito – você responderá. Será só isso, minha Santa Apolônia? Um castigo? E como explicar a situação da minha amiga Juliana, que passou um período da adolescência brigada com a escova de dente e mesmo assim nunca soube o que é uma cárie?
Me dou conta de que estou segurando a respiração. Respiro. Respirar é bom, acalma.
“Não feche a boca.”
Ela ordena, eu obedeço.
Será que aquela napolitana que morreu outro dia, aos 117 anos, ainda ia ao dentista?
Os materiais que estão sendo usados na minha boca têm prazo de validade. Se eu der sorte, só daqui a dez anos serão trocados. E, depois, a cada dez anos. Velhinha, estarei ainda me submetendo a isso: agulhada na gengiva, luz forte nos olhos, a coluna se dobrando para trás.
Tenho de me lembrar de respirar.
Será que aquela napolitana que morreu outro dia, aos 117 anos, ainda ia ao dentista? Suspeito que só as pessoas de dentes bons se tornam centenárias. Os centenários são especiais, tudo neles é melhor que em nós. Melhor qualidade, sabe? Como não é meu caso e diante da perspectiva de me sentar, aos 90 anos, na cadeira de um dentista e enfrentar tudo isso de novo, abro mão de qualquer ilusão de fazer parte do grupo dos muito longevos.
“Cuspa.”
Que bom, consegui fechar a boca por alguns segundos. Até suspirei. Como é bom suspirar.
Aqueles malucos do Google estão investindo em pesquisas sobre a imortalidade. Projeto Calico é o nome da tolice. A turma que teve esta ideia deve ter 28 anos e dentes perfeitos. Tampouco conhecem o significado de palavras como ciático, triglicerídeos e desgaste do menisco. Os ingênuos acreditam que vão ficar para sempre do jeito que são hoje. Por isso inventaram esse projeto Calico. Se fossem mais realistas, inventariam um jeito de bloquear os hackers. Mas não, o que eles querem é viver para sempre. Quero ver um deles trocar de lugar comigo nessa cadeira e continuar com essa disposição toda!
“Agora preciso que você não feche a boca de jeito nenhum!”
Que novidade...
Uma parente lá das Minas Gerais dizia que era um bom negócio substituir todos os dentes por uma prótese. Muito prático, ela dizia. Raciocínio de mineiro das antigas. Não serve pra mim. Fico lembrando daquele livro maravilhoso, Retrato de uma Família Turca. A mãe do autor, o Irfan Orga, teve uns problemas nos dentes e o dentista resolveu extrair tudo e substituir por uma dentadura. Ainda se fala dentadura? A coitada da mulher ficou deprimida ao perder os dentes e nunca mais se recuperou totalmente. Isso aconteceu no começo do século 20, em Istambul.
Cem anos depois estou eu aqui, em Curitiba, me solidarizando com ela e tentando lembrar de respirar.
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