Estou naquela fase da vida em que o sujeito se acredita jovem, mas se depara o tempo todo com lembranças de décadas atrás, o que não combina muito com a ideia de juventude. Vem daí o desconcerto. No início, é divertido lembrar de fatos vividos e perceber que eles aconteceram há uma década, há duas ou três. Como tudo que é demais cansa, a diversão acaba.
O que me consola é que não percebi o tempo passar porque estava ocupada vivendo.
O susto da semana foi ir ao prédio da Reitoria da UFPR, onde fiz os dois primeiros anos da graduação em Jornalismo. Uma colega de curso voltou a Curitiba para fazer uma conferência e fui ouvi-la. No elevador lotado de estudantes, me virei descaradamente para um lado e para o outro para observá-los. Eu fui eles ontem. Causaram-me uma boa impressão.
Lembrei-me de uma manhã de abril de 1985, quando dois ou três colegas e eu entramos no mesmo elevador e fomos recebidos pelo ascensorista. De todos os que desempenhavam essa função naquele prédio, era o mais falante. Os outros eram calados e tristonhos, como é de se esperar de alguém que tem um trabalho tão claustrofóbico.
Não percebi o tempo passar porque estava ocupada vivendo
- Toda flor tem um dono (13 de junho de 2015)
- Buona notte, Giuseppe (6 de junho de 2015)
O assunto naquelas manhãs era a saúde de Tancredo Neves, que estava naquele morre-não-morre sem fim. Os boletins médicos eram indecifráveis, mas até para nós, universitários recém-saídos da adolescência, parecia que era questão de dias ou horas. Também parecia uma piada de mau gosto o primeiro presidente civil depois de 20 anos de ditadura militar cair gravemente doente antes da posse. O ascensorista estava revoltado, desconfiava que não estavam cuidando direito da saúde do presidente e se saiu com essa:
“Traz logo o Tancredo para se tratar em Clevelândia, como faziam com o Figueiredo!”
Ri sozinha ao lembrar da confusão do ascensorista, misturando a Cleveland americana, onde o general tratou um infarto, com a Clevelândia paranaense. Faz 30 anos. Tancredo agora é história, é o avô do Aécio. Figueiredo está esquecido. Não existem mais ascensoristas na Reitoria e os elevadores são modernos. Mas a rapaziada continua descendo a rampa gargalhando e tagarelando. Nos murais, ainda se procura alguém para dividir o apartamento, anuncia-se cursos sobre literatura irlandesa e convoca-se para assembleias em que será tratado do futuro da nação.
No meio desse tudo-muda-nada-muda, algumas amizades sobreviveram e eu... Eu vou bem, obrigada.
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