Mesmo os amigos podem ser chatos. Naquele grupo ninguém era chato em período integral. Trabalhavam juntos e às vezes viam-se depois do expediente. Sempre tinham muito o que conversar. Então um deles foi demitido. Coisa tão normal hoje em dia, mas difícil para o demitido. Por isso combinaram uma saideira. Um deles nem bebia, mas foi assim mesmo e avisou em tom de galhofa: “Vou de Uber para beber todas”.
Outros colegas se juntaram a eles e, sentados no bar, beberam. Não foi preciso muito para que uma transformação ocorresse. Dos recônditos daquelas mentes intoxicadas revelaram-se novos aspectos das personalidades. Um deles estava muito bem dentro da firma, cargo importante, “em ascensão”, como se diz por aí. Animado pelo gim (a bebida da moda, segundo ele), parou de esconder a soberba e a vaidade que se esforçava para manter sob controle. Falava e falava, contestava o que os outros diziam mal eles abriam a boca. Não ouvia. Era um chato e isso não surpreendeu ninguém. Mas se revelou um chato melancólico, quase choroso, lamentando não ter ainda mais reconhecimento, não estar entre pessoas dignas de sua privilegiada companhia, não ser rico até!
Mesmo os amigos podem ser chatos
Havia o outro, mais caladão, sorriso permanente, parecia interessado no que os outros diziam. Também este tinha impulsos contidos que a intoxicação alcoólica fez aflorar. Com muita naturalidade, descansou a mão na coxa da colega ao lado. Assim, à luz fria do bar, revelando um certo orgulho de sua ousadia. Desta forma prosseguiu no resto do encontro, falando bobagens e fazendo bobagens. Exibindo-se. Era um chato.
O terceiro havia sido demitido na véspera e a ele tudo se perdoava. Mas não havia muito o que perdoar, só estava confuso. Uma hora reclamava da empresa, outra hora elogiava. Reclamava da vida e em seguida se dizia um sujeito de sorte. Parecia deprimido e depois cheio de planos. Era humano.
O quarto é o que havia anunciado que ia beber todas. Na realidade nem bebia. Só queria distrair o amigo que perdera o emprego. Ocupado em monitorar o rapaz, não pôde beber direito. A caipirinha ficou aguada, a cerveja ficou choca. Os dois riam, riam cada vez mais: de episódios que viveram no trabalho, de bobagens que fizeram. “Como fomos tolos!” – e gargalhavam. “Me dei mal” – e perdiam o fôlego de tanto rir.
O sujeito “em ascensão” não entendia aqueles risos. “Pobres coitados, sem compostura nem amor-próprio”, pensava. Procurou o olhar do colega buliçoso, cuja mão se aventurara na coxa da amiga (que a esta altura já havia mudado de lugar). O outro também não estava entendendo: fazer piada de si mesmo? Rir diante do desemprego, da perda de renda e de status? Incompreensível. Precisava escolher melhor suas companhias.
Assim terminou a noite. Os chatos cada vez mais chatos e cada vez mais bêbados, os outros dois rindo até chorar, rindo de tudo e principalmente de si mesmos. Paga a conta, levantaram-se e foram saindo. Os chatos não apareceram na calçada e os colegas voltaram para ver o que estava acontecendo. Encontraram os dois tropeçando nas cadeiras, tropicando e esbarrando nas mesas, provocando cara feia nos outros clientes. Foi preciso ajudar a despachá-los para casa. Tarefa concluída, rememoraram a cena e riram até sentir dor na barriga. E combinaram entre si: da próxima vez, não chamamos os chatos.