| Foto: Felipe Lima

A cena que vou descrever a seguir aconteceu há mais de 20 anos.

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Um deputado federal do Paraná, nascido em família tradicional e proprietária de empresa muito conhecida, tem o nome citado em um caso de corrupção. Ele convoca uma entrevista coletiva no seu escritório de Curitiba. Os jornalistas são convidados a se sentarem em cadeiras dispostas em um círculo. O deputado entra, toma seu lugar e começa a negar qualquer envolvimento com corrupção. Mostra-se revoltado e abalado, declara-se vítima de uma armação. Quando os jornalistas vão começar a fazer perguntas, uma mulher aparece na porta e, ao vê-la, ele se põe a chorar, tornando mais dramática a cena e interrompendo as explicações. A mulher era a esposa dele, que nenhum repórter reconheceu por se tratar de um segundo casamento recente.

Nada aconteceu com aquele deputado federal paranaense suspeito de corrupção no governo Collor. Não foi cassado, não foi preso, não foi punido. Certamente nem foi investigado. É por isso que não posso citar o nome dele, mesmo já estando morto.

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O malfeitor brasileiro paga para ver, mesmo diante da possibilidade de uma longa e dolorosa agonia para si e para o país

Durante o governo Collor, alguns paranaenses eram próximos ao presidente e indicavam seus apadrinhados para cargos do governo federal. Essa turma era maldosamente chamada de “República do Paraná”. Vira e mexe os membros da tal “República” eram citados em suspeitas de corrupção. Sobre um deles, diretor de um banco público, eu mesma, como repórter, ouvi várias denúncias: donos de construtoras contavam que ele exigia “presentes” para liberar financiamentos. Um desses presentes teria sido a reforma de seu apartamento em Curitiba. Os móveis e eletrodomésticos desejados eram listados e encaminhados para um representante das construtoras, que se encarregava de providenciar as compras. Como jornalista não tem os instrumentos da Polícia Federal e do Ministério Público – não faz interrogatórios nem condução coercitiva, não grampeia telefone nem faz acordo de delação premiada com as fontes –, dependíamos de denúncias. Lembram-se que o Collor se deu mal porque o próprio irmão o delatou? Empresários não denunciam ninguém para a imprensa. Contam histórias, mas não fornecem provas. Eles denunciam para a Justiça quando assim lhes convém, como temos visto nos últimos três anos.

Quando Emilio Odebrecht disse não entender a surpresa da imprensa com os recentes casos de corrupção, já que, segundo ele, o “esquema” existe há 30 anos, estava sendo sarcástico como só os prepotentes ousam ser. A imprensa vem acompanhando a corrupção no Brasil há bem mais de 30 anos e, na medida do possível, registrando-a. Mas não é ela que reúne provas, julga, cassa mandatos e prende. É o Legislativo e o Judiciário. Casos como aquele do deputado federal paranaense foram negligenciados por quem deveria tomar providências. São muitos casos assim.

O motivo de eu me lembrar do deputado chorão de 1992 ou 1993 (não recordo exatamente o ano da denúncia) é que o mal que o acometia continua forte entre nós. Não me refiro à corrupção, mas à incapacidade de admitir erros. No Brasil, quando alguém é pego com a boca na botija, nega. Nega porque sabe que pode se safar e por isso vale a pena mentir. Nega para confundir, para bagunçar, para distrair. Aquele deputado paranaense que chorava (na minha opinião, lágrimas de crocodilo) e afirmava que estava sendo vítima de uma armação deu-se bem. Sua “verdade” prevaleceu e ele até foi reeleito. Houve dezenas como ele.

Essa incapacidade de agir com hombridade e assumir erros é uma ferramenta de sobrevivência eficaz e que, sendo assim, incorporamos ao jeito brasileiro de ser. É parte da “involução” da espécie. O malfeitor brasileiro paga para ver, mesmo diante da possibilidade de uma longa e dolorosa agonia para si e para o país, porque se inspira nos casos em que a malandragem valeu a pena. Só depois de muitos serem desmascarados o comportamento-padrão perderá força.

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