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Descobri que foi abaixo uma casa que, por achar bonita, eu sempre ob­­servava, ao passar em frente. Estava construída em uma rua do Batel e parece que demoli-la levou menos de uma semana. Ficou o muro e algumas árvores. Uma pessoa da família me contou que ali morava a senhora que, junto com o marido, planejou e construiu a casa 50 anos atrás. Ela faleceu e, provavelmen­­te, foi mais conveniente para a fa­­mília limpar o terreno. Situa­­ção banal, mas triste, no meu pon­­to de vista. As casas não so­­bre­­­­vivem mais aos donos. Não que sejam mais frágeis do que as construções de outros tempos, mas é raro alguém querer viver em uma casa herdada, erguida por outro. O fato de o imóvel fa­­zer parte de um espólio torna man­­tê-lo mais difícil – é preciso dividir a herança em partes iguais e isso geralmente inviabiliza a posse da casa inteira por um herdeiro só.

Questões financeiras à parte, na mentalidade do brasileiro é di­fícil conceber a possibilidade de adaptar-se à casa que outras pessoas planejaram, mesmo que se­­jam nossos pais ou avós, quando se pode construir algo totalmente ao nosso gosto. Adoramos novidades, acreditamos na ne­­cessidade de imóveis feitos para suprir nossas especificidades. Mas quando penso que imóveis são estruturas sólidas, complexas, feitas para durar, espanto-me com a transitoriedade que os persegue atualmente. Casas de 50 anos são tidas como velhas; apartamentos, mais ainda. Tudo o que eu vejo nas ruas onde circulo vai, mais cedo ou mais tarde, ser posto abaixo?

Do ponto de vista ambiental, esse caráter descartável que a so­­ciedade brasileira dá aos imóveis é uma agressão: gasta-se muito material e energia para construir algo e antes que sua vida útil acabe, derruba-se tudo para reiniciar o processo. É um luxo que nos permitimos sem nem nos dar­­mos conta de que se trata de um luxo. Europeus não fazem tanto desperdício: por lá os terrenos são caros, a mão de obra também, por isso os imóveis são reaproveitados, mesmo que dê um trabalho danado fazer ma­­nu­­tenção e reformas em construções que originalmente nem encanamento para água tinham.

No Brasil, também pesa contra as casas o ônus da falta de se­­gu­­rança. Foi em busca de tran­­qui­lidade que as pessoas começaram a migrar para os aparta­­men­­tos e, em seguida, também para as residências em condomínios fechados. O que vem depois disso? Os condomínios também serão derrubados quando com­ple­­­tarem 50 anos? Mantida a men­­talidade atual, acho que sim. A cidade vai mudar várias ve­zes, total­­mente. Nem sempre para me­­lhor, nem sempre para pior.

Às vezes, quando passo pela Avenida Visconde de Guarapua­­va, na altura do Batel, olho para um prédio ou um estabelecimento comercial e tento recordar o que havia antes naquele lu­­gar, na minha adolescência. Naquela época eu circulava por aquela avenida diariamente e o que eu via era uma sequência harmoniosa de casas ainda habitadas por famílias. Pouco a pouco as famílias foram deixando os imóveis, que passaram a ter uso comercial, até que foram demolidos para dar lugar a edifícios. É uma mudança brutal na paisagem. Alguém que fotografasse a Visconde de Gua­­rapuava em, digamos, 1980 não reconheceria uma foto da mesma avenida feita neste mês de julho de 2009. Não é tanto tempo assim, mas uma cidade próspera e jovem como Curitiba muda em um piscar de olhos. Não interessa se ela ela era bonita ou não. Vai mudar de qualquer jeito porque as pessoas querem novidade.

Marleth Silva é jornalista.

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