| Foto: Felipe Lima

As pessoas gostam de poesia. Muitos entre nós até precisam dela. Podem até não pensar sobre isso, mas precisam. Descobrem quando a reencontram. Nas últimas décadas, aqui no Brasil, consumimos mais poesia empacotada como música, ou seja, como canções populares. Os versos que decoramos em sua maioria faziam parte de uma letra feita para ser cantada.

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Isso não é a constatação de um estudo acadêmico. É minha opinião. Faz dez anos que publico estes textos neste jornal e toda vez que falo de poesia alguém se manifesta. Um leitor quer saber qual edição do livro de Elisabeth Barrett Browning eu citei para ir procurar. Outro me conta que estava na padaria tomando um cafezinho e se emocionou quando leu os versos do Bandeira, inesperados, na página do jornal. São tantos casos assim. Concluo que muitos entre nós se deleitam nos encontros ocasionais com a poesia. Os tempos é que não são favoráveis à leitura de poemas. Não aos poemas em si, que continuam sendo compostos e publicados. A leitura de poesia é que demanda uma paciência que anda fora de moda; não se lê 15 páginas de poemas em sequência. Lê-se uns versos aqui e outro acolá. Pausa-se. Absorve-se. No dia seguinte, mais um pouco. A poesia é lenta porque é profunda. Não é só entender. Tem de sentir. No fundo as pessoas gostam disso. Precisam até.

A leitura de poesia demanda uma paciência que anda fora de moda

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A música popular sai em vantagem sobre os poemas publicados em formato de livro. A melodia facilita o encontro entre os versos – por mais exigentes que sejam – e o ouvinte. O sujeito ouve uma, duas vezes, familiariza-se, decora as frases e gosta cada vez mais delas.

Quando a cultura pop tomou corpo e avançou sobre a sociedade como uma enchente, a partir dos anos 60, surgiram grandes poetas que cantavam. O júri do Nobel reconheceu isso ao premiar Bob Dylan – se bem que, por mim, o premiado seria Leonard Cohen. Aqui no Brasil, alguns poetas que viviam no universo do papel até experimentaram o maravilhoso mundo novo da popularidade que vinha do rádio. Vinicius, Leminski, Alice Ruiz, Antonio Cícero, Ferreira Gullar (“Lá vai o trem sem destino / Pro dia novo encontrar / Correndo vai pela terra,

Vai pela serra, vai pelo mar / Correndo entre as estrelas a voar / Cantando pela serra ao luar /

No ar, no ar, no ar”).

Observo nesses últimos dias o encantamento de pessoas de várias gerações com uma canção de Belchior ou com sua obra inteira, e noto ali o gosto pela poesia. O seu sucesso, inclusive com pessoas que nem tinham nascido em 73 – quando o “desespero” era moda –, não se deve à qualidade da melodia nem ao carisma do músico. Deve-se aos bons versos que se misturam com outros mais fracos que se fazem necessários para garantir o avanço da melodia (“Não me peça que lhe faça uma canção como se deve / Correta, branca, suave, muito limpa, muito leve / Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém / Sem querer ferir ninguém”).

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Nestes versos em que Belchior se reconhece como poeta, ele praticamente declama as palavras. Quase abre mão da melodia: “Como Poe, poeta louco americano, eu pergunto ao passarinho: / ‘Black bird, assum preto, o que se faz?’ / E raven never raven never raven / Pássaro preto, pássaro preto, black bird me responde: / ‘Tudo já ficou atrás’.”

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Um dos leitores que ama poesia me mandou uns versos de Manoel de Barros, seu poeta favorito, que compartilho com vocês: “Sou bugre mesmo / me explica mesmo / me ensina modos de gente / me ensina a acompanhar um enterro de cabeça baixa / me explica por que um olhar de piedade / cravado na condição humana / não brilha mais que anúncio luminoso?”