Começa que elas não eram chamadas assim, mas de birrugas. Uma palavra tão repugnante quanto as próprias. E nós, que enfrentávamos essas estranhas erupções na pele, éramos os birruguentos.

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Você se tornava birrugento de uma hora para outra. Surgia um pequeno calombo geralmente nos dedos da mão, que nem incomodar incomodava. A verruga ia crescendo e logo apresentava sua superfície áspera, cujo contato revelava-se arrepiante. No entanto, passávamos o tempo todo cutucando aquilo. Não sabíamos o que eram as verrugas – crescimentos benignos causados pela infecção viral da camada mais superficial da pele ou membranas mucosas – e acreditávamos que elas vinham de uma infração inocente, indicar com o dedo uma estrela. Talvez porque aparecessem com freqüência nos indicadores. Desconhecíamos que elas surgem comumente nas áreas da pele que sofrem traumas, como em volta de nossas unhas, sempre roídas até o limite da dor. E como estávamos no início da adolescência, período privilegiado de todo tipo de timidez, roer as unhas era a regra. Nossas mãos também viviam machucadas, das brincadeiras próprias de um tempo destemido.

Nada disso, no entanto, contava. Sabíamos apenas que a verruga estava lá, naquela região do dedo, e era amorosamente escavada. O resultado dessa dedicação obsessiva era o sangramento, que ia despertando outras verrugas na região. Alguns, os mais corajosos, cortavam-nas com gilete, tudo isso servindo para piorar o problema e disseminá-lo.

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Um dia, nós nos descobríamos com várias verrugas, que nos afastavam das pessoas. Nosso aperto de mão era evitado. É claro que nem pensávamos na hipótese de ir a um médico. E, a bem da verdade, nem precisava. A ajuda vinha das pessoas que já tinham passado por aquilo.

Quando minhas verrugas ficaram visíveis, alguém me ensinou uma simpatia infalível. Devia contá-las. Eram sete – depois saberia tratar-se de um número cabalístico. Tinha então que pegar uma linha de algodão e dar sete nós. Como minha mãe era costureira, foi fácil conseguir o material. Difícil era cumprir o próximo passo – enterrar a linha em um lugar por onde eu jamais passaria. Quando a linha apodrecesse, todas as verrugas teriam desaparecido. Mas se retornasse ao lugar, elas voltariam em número maior. Quando eu via pessoas com as mãos tomadas de verrugas, imaginava que elas tinham tentado essa cura, tendo cometido a imprudência de não respeitar a proibição.

Nas imediações de casa, havia uma indústria toda cercada de muros altos, onde eu jamais tinha entrado. Era quase uma chácara, com vastos domínios baldios. Saltei o muro, fui a um dos extremos do terreno, cavei a terra fofa com as unhas, fazendo com que algumas verrugas sangrassem, e enterrei a linha. E, na mesma hora, prometi a mim mesmo nunca aceitar trabalho ali.

Não contava que, anos depois, a indústria abriria falência e o terreno seria transformado em conjunto residencial. Mas ainda não passei por lá, cumprindo minha determinação.

Logo depois de toda essa manobra, outra pessoa me deu uma receita mais simples. Eu devia apenas achar um osso velho e esfregá-lo sobre as intrusas. Depois atiraria o osso para trás, sem olhar onde ele caísse. Era muito fácil conseguir ossos, nós os catávamos pelos pastos e pela rua para vender ao comprador de ferro-velho. Mas não quis usar nenhum dos componentes das carcaças bovinas que eu juntava no fundo do quintal. Quando achei um pequeno osso na rua, guardei-o no bolso e fui para a chácara de meus avós. No pasto, esfreguei o osso nos dedos e o atirei no meio do capim. Nunca mais o vi.

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Para esta simpatia, não havia a proibição de retornar ao lugar. De modo, que fiquei tranqüilo. E, além do mais, eu estava duplamente medicado.

Passaram-se as semanas e deixei de olhar para as verrugas que antes tanto me incomodavam. Até o dia em que as procurei e elas não estavam lá. Restavam apenas uns sinais em minha pele, que logo desapareceriam definitivamente.

Uma mente mais científica pode dar uma explicação técnica: eu parei de cutucá-las e as infecções virais cessaram. É plausível. Mas minha explicação, menos rigorosa, é com certeza mais verdadeira e universal.

Nos dois procedimentos, há a ação de livrar-se do indesejado.

Na primeira, as verrugas são simbolicamente transferidas para a linha. Deixam o corpo real e passam a fazer parte de um objeto. Quando o objeto apodrece, elas desaparecem.

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No outro, pelo contato, as verrugas sãos transferidas ao osso, que é algo sem vida. Transmitimos o problema do corpo vivo ao corpo morto, anulando-o.

Em ambos os casos, o mais importante é o processo de esquecimento. Nunca mais voltaremos ao lugar onde foi enterrada a linha. No processo em que se usa o osso, isso é mais forte, pois nem vimos onde ele caiu. Os dois suportes onde ‘descarregamos’ as verrugas ficaram olvidados e por isso operaram a cura das verrugas.

Conclusão: toda cura vem sempre do esquecimento daquilo que nos aflige.