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Minha filha passou duas semanas fora de casa. E isso desorganizou totalmente nossas vidas. Sabemos que os filhos devem ser criados para o mundo, então nada de ficar chorando as ausências que, daqui para frente, serão maiores e menos espaçadas.

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Os filhos partem, e nós, os pais, temos que nos contentar com as lembranças que guardamos mais conosco do que em gavetas, armários ou porões. Nunca filmamos nossos filhos, nem mesmo possuímos uma filmadora. Não foi algo premeditado, apenas não nos interessamos por congelar imagens e sons deles. Mas me lembro de boa parte de nossos momentos comuns. Também não guardamos roupas, calçados ou brinquedos, cascas de uma pessoa que não voltará mais.

Atormentados pela mania de ordem, vamos fazendo limpezas periódicas, doando aquilo que já não nos serve. Havia, aqui no quintal, um parquinho que, dez anos atrás, montei para nossa filha. Assim que ela cresceu, passamos para frente. Agora, com o nascimento temporão do Antônio, sentimos falta de brinquedos e talvez até compremos outro parque.

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Da infância de nossa filha ficaram algumas fotos, mal-tiradas, pois nossas máquinas sempre foram precárias. Aliás, continuam sendo. No começo destas férias, Câmi resgatou algumas fotos, as melhorzinhas, imprimiu em tamanho grande, emoldurou e colocou numa parede no quarto dela. Eu a via sempre mexendo neste material, ideia que lhe veio depois de visitar uma scraperia – lugar, segundo ela me informou, onde se personalizam álbuns de fotos.

Logo em seguida, Câmi viajou para a praia com uma amiga. Ficamos aqui, aproveitando a casa subitamente liberada para nossa velhice. Como Antônio dormia de dia ou ficava com seus brinquedos, nós nos sentíamos como no começo do casamento, quando a casa toda nos pertencia.

Mudamos o nosso horário de dormir, pois estávamos em férias, passando a ver filmes até tarde da noite, coisa impossível quando a casa está cheia – sim, a simples presença de um adolescente preenche todos os espaços.

Mas a sua ausência também trouxe problemas. Não acertávamos mais a medida da comida a ser feita. Sobrava carne na travessa, ninguém dava conta do arroz e os refrigerantes tamanho família, abertos, perdiam o gás na geladeira. Foi assim que começamos a sentir a falta da filha.

– Se ela estivesse aqui, estas almôndegas não teriam sobrado – eu disse na hora do almoço.

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E Ju e eu dividimos as sobras, mesmo sem fome alguma, em homenagem a quem tanto aprecia este prato.

Até o Antônio notou o esvaziamento da casa. Do nada, saiu-se com essa:

– Cacá fugiu.

Explicamos que ela não tinha fugido, estava na praia, com os amigos. Ele então completou, com a sintaxe torta dele:

– Cacá na praia fugiu – e riu.

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Corremos ligar para o celular da Câmi, para contar a gracinha do irmão. O celular estava desligado. Ela só liga quando quer, fala pouco, está sempre com pressa.

– Na idade dela, também tínhamos pressa – me diz minha mulher.

A distância entre gerações nasce disso. Os jovens têm pressa. Nós seguimos com o passo vagaroso dos que tentam retardar o tempo.

Mais comovente foi a dedicação de nossa cachorrinha, a Mel. Assim que abria a lavanderia, local em que dorme, ela corria para o quarto da Câmi e, se o encontrava fechado, deitava-se diante da porta e esperava. Esperava por muito tempo.

Pela manhã, ela tem o hábito de pular na cama da Câmi e acordá-la. Nesta ausência, se o quarto estava aberto, ela rondava a cama e, melancólica, ia para a sala, para olhar o movimento da rua postada em um sofá.

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O telefone de casa tocou muito menos neste período. Mais da metade das ligações nos dias normais são para a Câmi. Então, eu que detesto telefones, me irritava com o silêncio do aparelho, aguardando ansioso a volta das muitas chamadas, quando tenho que sair em busca da filha para lhe passar o aparelho sem fio.

Depois de alguns dias aproveitando o sossego de uma casa sem adolescente, começamos a entrar, sem motivo, no quarto dela. Minha desculpa foi que, após o almoço, para cochilar, não existe lugar melhor do que aquele cômodo. Deitado, olhava as fotos dela na parede, os seus objetos, os armários em ordem – coisa rara quando ela se encontra em casa. E não conseguia dormir direito, tantas as cenas que me vinham.

Mesmo assim, sempre tentava descansar na cama de colchas coloridas, iluminada por um porta-retratos em forma de cubo, com várias fotos de minha filha. Em uma delas, ela manda um beijo.

– Está rindo do quê? – minha mulher me flagrou.

– Lembra daquele dia em que a Câmi... – e inventei algo para despistar minha emoção.

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Nos últimos dias, pegamos a mania de fazer reuniões familiares, com a indispensável presença da Mel, na cama de nossa filha. Ficávamos conversando, brincando com o Antônio, esquecidos do resto da casa, que se tornou um lugar inóspito para nós.

Colocávamos um dos CDs no aparelho dela e ficávamos ou­­vindo.

– Até que as músicas de que ela gosta não são assim tão ruins.

Num domingo, ela ligou às sete da matina.

– Nossa!, já acordou?

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– Paiiii, não vê que estou chegando agora. Daí resolvi ligar.

Fiquei em silêncio, tentando achar um comentário que não fosse de repreensão.

– Mas está tudo bem, não está?

– Claro, né. Por acaso eu estou chorando ou algo do tipo?

E ela desligou sem que eu me decidisse se lhe desejava boa noite ou bom dia.

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