Semanas atrás contei a briga constante com meu professor de gramática, o corretor ortográfico do Word. Era uma crônica em que reconhecia minha dívida intelectual e ao mesmo tempo me rebelava contra o poder censor deste implacável gramático, cultor de uma visão certinha da língua. E logo recebi a mensagem de um atento e simpático leitor: "Excepcional a crônica do dia 14-01-2006, à qual cabe um único reparo, já que o assunto diz respeito à Língua Portuguesa. No último período, no trecho ‘mas é preciso ver também o quanto aprendemos com o redator de texto’, ficaria ótimo se fosse suprimida a partícula ‘o’, que antecede o vocábulo ‘quanto’. Napoleão Mendes de Almeida, Luiz Antonio Cone (Não erre mais!) e Eduardo Martins (Manual de Redação e Estilo) propõem que, em casos assim, antes de ‘quanto’ e de ‘quão’, não devemos utilizar a partícula ‘o’".

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Fui desmascarado. Não sabia como era complexo o uso desta partícula. Já encomendei os livros indicados, para ver se melhoro meu português; vou precisar de toda a ajuda depois do desfecho de minha crise com o professor de gramática.

Ele não deve ter gostado de se ver citado em minha crônica e preparou uma vingança terrível. Assim que eu começava a usar o editor de texto, o programa travava com um barulho incômodo e uma mensagem ameaçadora, dizendo que tinha feito uma operação ilegal. E o arquivo, depois deste problema, emperrava, permitindo apenas a leitura. Nem podia ser apagado de meu computador, como se fosse prova material (mesmo que virtual) para futuros processos da Microsoft contra mim. Corri para legalizar os softwares, com medo de uma represália jurídica. E chamei um mágico para consertar meu computador.

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Ficamos uma manhã inteira trabalhando nele. É um PC antiquado e sempre vive dando manutenção – tento não aderir afoitamente às novas tecnologias. O técnico fez várias magias negras. Desfragmentou o disco – não sei o que é isso, mas acho que deve ser uma reação conservadora contra a literatura de vanguarda. Bem, eu já sou mesmo acusado de não inovar a linguagem (apenas de piorá-la), então deixei que ele desfragmentasse o disco. Depois, atualizou os softwares que uso, fazendo o famoso upgrade. Também passou o antivírus em todos os arquivos e, por fim, triplicou a memória RAM de minha máquina. Com estas bruxarias todas, garantiu que eu não teria mais problemas.

Ele não conhecia meu professor de gramática, que continuou travando os arquivos de texto. O mago foi consultado de novo e, por fim, descobrimos a razão dos boicotes.

Meu professor de gramática começou a recusar sistematicamente as frases não-usuais, onde aparecem construções menos normativas e também meus incontáveis erros gramaticais. A solução foi desativar o corretor ortográfico, demitindo assim, sumariamente, o professor que tanto me ajudou. As crônicas recentes foram escritas sem esta ferramenta do Word, e a represália não tardou.

Em "Uma casa na roça", matéria publicada no dia 11 de março, apareceram três erros de digitação e uma palavra grafada de maneira incorreta. Sou um escritor explosivo, que escreve num único fluxo, sem interromper a escrita para averiguar, como falava Manuel Bandeira, o "cunho vernáculo de um vocábulo". Não consulto dicionário na hora de escrever para que meu texto tenha velocidade. Com isso, muitos problemas me escapam. Eu releio o texto no calor da hora, mas, como sei de cor cada frase, não me detenho no que está escrito e sim na memória do que foi posto em forma de linguagem.

Tenho que esquecer do texto para fazer uma leitura minuciosa dele, como se não fosse escrito por mim. E isso só é possível depois de uma semana, quando empreendo um saneamento profundo, acertando o tom da escrita – esta é uma questão crucial em literatura –, os erros de digitação e os equívocos gramaticais. No primeiro momento, o da produção, sou uma força inconsciente, não há distanciamento entre mim e o texto, formamos uma única entidade; no segundo, vejo o texto de fora, como algo que já não me pertence. É aí que faço a limpeza estilística e gramatical.

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Na crônica da semana passada, escrita em menos de duas horas, não tive tempo de deixar o texto descansar para que pudesse sofrer este processo de saneamento. Enviei para o jornal assim que terminei a terceira leitura, logo depois do esgotamento emocional da escrita. Estas leituras, tais como vôos com piloto automático, são cegas. Por isso escaparam os problemas, só percebidos na versão impressa, quando eu já tinha me afastado do texto. O mais vergonhoso foi grafar serraria com c – uma traição do subconsciente, por conta de uma aliteração involuntária, pois eu tentava criar, nesta crônica, uma série de ecos e rimas internas, dando à linguagem prosaica alguma música. Neste caso, escrevi: "nas cercanias, ainda existiam serrarias", mas o c de cercanias se intrometeu no lugar do s da última palavra. Na ausência do meu professor de gramática e sem ter tido tempo para uma leitura saneadora, errei feio. Dois amigos me avisaram do problema. Eu poderia alegar uma licença poética, mas assumo aqui a responsabilidade por mais este crime de lesa-ortografia.

De agora em diante, ou aprendo português na marra, lendo nossas emocionantes gramáticas, ou continuo escrevendo como um bárbaro, assustando quem não admite operações ilegais com a Língua Portuguesa. Saibam todos, no entanto, que não é intencional. Tenho sempre as melhores intenções.