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Na apresentação de seus 47 Contos (Companhia das Letras, 2004), datada de 1981, o Nobel Isaac Bashevis Singer (1904-1991) lembrava que "a literatura genuína informa enquanto entretém". Poderíamos propor uma variante igualmente verdadeira para esta frase: a literatura genuína forma enquanto entretém. Nos dois casos, a questão de uma arte que tem um poder de informar ou de formar sempre aparece ligada à ideia da fruição.

Na contemporaneidade, quando houve o domínio total do entretenimento, não se pode mais ignorar, nos ambientes didáticos, a função de distração da arte. Sempre atento às alterações de comportamento do público leitor, o poeta Paulo Leminski (1944-1989), lançava em 1987 uma coletânea poética cujo título era um programa: Distraídos Venceremos. Mais do que uma despolitização da arte, negação do "unidos venceremos" das passeatas, este título e a própria poesia midiática de Leminski apontavam para uma união legítima entre entretenimento e palavra literária. Ou seja, o caminho era o mesmo proposto e vivido por Singer.

Conquanto haja esta orientação mais arejada, prevalece em nossa cultura uma concepção excludente de texto. A literatura genuína, para o pensamento hegemônico no país, é aquela que se define como alta literatura. Ou seja, que se afastou das tensões e linguagem mais humanas, fazendo a cabeça dos leitores intelectualmente mais exigentes, que leem dentro de uma perspectiva teórico-crítica. Alta literatura, assim, passa a ser um rótulo para aquilo que se afasta do leitor comum, podendo assumir a forma da experimentação, hermetismos vários, feição barroca, extrema intelectualização literária, transgressão (não só de linguagem como de estruturas e enredos) etc. É este o sinônimo de literatura no pensamento crítico em vigor.

Por outro lado, a grande maioria da população letrada se abastece de produtos narrativos e poéticos nos mercados do entretenimento. Não existe maior mecanismo internalizador de estruturas narrativas do que o cinema, as séries de televisão e as telenovelas. São estas instâncias que dão ao grande público uma capacidade de enfretamento de narrativas maiores, ampliando o domínio do gênero romance. Lemos cada vez mais romances porque há uma estrutura mental criada pela indústria do cinema e da televisão. Com relação à poesia, o fenômeno é idêntico. O consumo poético hoje passa por uma sensibilidade criada pela música que, desde os anos de 1960, forja aptidões textuais.

Enquanto isso, a intelectualidade continua aferrada a um conceito de literatura de exceção, para os happy few, para os que podem consumir os biscoitos finos da linguagem. Para um lado foi o piano, para outro a orquestra. Todo texto que flertar de forma mais assumida com o entretenimento, ou com a linguagem reconhecível pelo leitor comum, sofrerá o anátema de vendido ao mercado, de subliteratura, de submissão à mediocridade.

O grande desafio do ensino da literatura é reconhecer a função entretenimento, formando fruidores do texto literário fora do serviço militar das leituras obrigatórias. Entender a literatura como instância de formação pelo entretenimento é criar um diálogo como o mundo contemporâneo, demonstrando que o texto literário não é a exata negação das experiências comunicativas desta era das mídias.

Esta proposta dificilmente virá da universidade, onde todo pensamento está dentro de um sistema de hierarquização temporal e cultural, mas pode surgir dos escritores que, rebelando-se contra um receituário de linguagem excludente, construam suas obras em franco diálogo com o leitor comum, incluindo-o na medida em que permite que ele se reconheça nos códigos usados.

Para usar uma expressão de Singer, a literatura não pode continuar se vendo (ou sendo vista) como "abismos verbais", e sim como ponte que nos leve a todos os lugares.

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