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Um amigo me disse que tirou a barba cultivada durante décadas quando ela começou a branquear, e que isso o remoçou uns vinte anos. Todos querem parecer mais jovens, mais alegres, mais conquistadores depois de certa idade. E uma barba branca pode atrapalhar. Então raspemos a cara.

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Fora umas tentativas juvenis, para aparentar outra idade, nunca usei barba. Poucos dias depois daqueles simulacros de maturidade, rendia-me à gilete, com a vantagem de eliminar um pouco as espinhas.

Taí um problema do qual jamais me livrei. Ainda tenho acnes, numa demonstração de que a adolescência insiste em não passar. Vejo os jovens com o rosto marcado pelas indesejáveis erupções e me sinto um pouco ligado a eles, apesar dos séculos que nos separam. Ter espinhas quando estamos chegando aos cinqüenta (faltam apenas mais cinco anos) é um tanto constrangedor – confesso. Mas me mantenho fiel ao jovenzito que fui, tímido não só por causa das espinhas no rosto, mas também pelos espinhos na alma.

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Não sei se foi para esconder um pouco as inflamações da pele, mas o fato é que estou cultivando a barba tão longamente obliterada. Uma barba outonal, já meio pintada de branco, pois sigo o caminho inverso do meu amigo. Que venham a velhice e os seus signos de precariedade.

Alguns anos atrás, resolvemos plantar hera aqui no jardim de casa, criando um isolamento verde – nossa idade exige algum afastamento. Escolhemos uma espécie parecida com a parreira, e seus ramos tomaram conta dos muros, avançando sobre a casa. Agora, as folhas caíram, restando apenas as ramificações tortuosas, sujas, alvoroçadas. É assim que vejo meu rosto nesta nova fase.

Embora possa ser algo banal para quem sempre a usou, a barba é um acontecimento para mim. Passo a mão no queixo e sinto a sua textura rebelde.

– Você ficou parecendo um terrorista – decreta minha mulher.

Ela não aprova meu novo visual. E pede todos os dias para eu lhe devolver quem fui, que esta atitude é mais uma de minhas manias, que quero sempre desagradar as pessoas, confrontando-me com o mundo. E que isso é coisa de adolescente.

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– Precisa mostrar que já não é o menininho proibido de entrar no cinema?

Não respondo. Não responder é a estratégia das relações duradouras.

– Não estou entendendo o motivo desta barba – diz minha filha, num tom de mágoa, como se eu a obrigasse a conviver com um padrasto.

– É promessa – falo, ironizando.

Isso era muito comum na minha infância. Um pai de família fazia a promessa de não tirar a barba até que o filho melhorasse de alguma enfermidade. Eu me comovia com aqueles homens barbados, de olhos tão tristes. Na quaresma, os mais velhos nunca se barbeavam, num sinal de respeito, e figuravam como reencarnação de Cristo.

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Contra a opinião de todos, vou deixando que esta plantação se desenvolva. Meu filho reclama que estou espetando, e me empurra para longe de seu rosto. Amigos riem de meu empenho nesta lavoura improvável. Que frutos virão disso?

Barbinha rala e de arame farpado.

Estes e outros termos são usados de forma brincalhona para me obrigar a desistir dela. Mas coloquei uma data. Vou cortar apenas no início de agosto. Daí querem saber o motivo. Não consigo explicar. Gosto de novos ciclos. Em agosto, começa outro semestre.

No fundo, estou brincando com a identidade do homem que eu poderia ter sido.

– Você está parecendo um andarilho – eu digo para mim mesmo quando me vejo no espelho.

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A barba assim descuidada, agressiva, crescendo enviesada, em todos os sentidos, seria uma violência contra o mundo civilizado? Talvez uma recusa da rotina de se levantar cedo, barbear-se, fazer as abluções, vestir a roupa limpa e bem passada, calçar sapatos lustrosos, tirar o carro da garagem e ir ao trabalho. Deixar esta barba disforme, sem o menor trato, é abandonar um terreno às ervas daninhas ou dormir com a roupa de trabalho. Estou assim escancarando um desânimo do qual todos fogem.

– Você está parecendo doente – as pessoas me dizem.

– Não existe corpo saudável – respondo, como um profeta do Velho Testamento.

Não imaginava que uma simples pelagem poderia causar tanta reclamação. Há homens que ficam bem de barba, mas não é este o meu caso. Em mim, ela é uma afronta ao mundo asséptico, talvez por minha pele escurecida. Ou apenas revele minha própria alma ressecada e espinhenta. Quando as mulheres se afastam de mim na hora dos convencionais beijinhos, estariam fazendo uma reação por conta do desconforto do contato com os pêlos. Elas se assustam com o bárbaro, este homem rude e intratável.

Como um cacto, sou uma planta agreste que repele o tato. A barba me servindo como proteção.

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– Você está parecendo um presidiário – me diz um amigo.