Está aberta a temporada de caça (melhor dizendo, do coça) ao eleitor, se é que ela algum dia parou, porque político que é político trabalha 34 horas por dia e 185 dias por ano sim, eu disse 34 horas por dia e 185 dias por ano, e não estou ficando louco. Explico: no mundo da política, tudo é hiper, super, megafaturado. Mas não existe nada mais superfaturado do que a auto-estima de nossos homens (banheiros) públicos. Todos se julgam o mais honesto do país, o mais trabalhador, o que fez mais pelo povo, o mais amado, o mais bonito, o mais séxi, o mais prejudicado pela mídia.
Já repararam nesta acusação aos meios de comunicação? Se sai uma matéria denunciando um escândalo, a declaração é automática este é um reduto de nossos inimigos. E todos dizem a mesma coisa. Eu já não sei quais os jornais, revistas e emissoras de tevê que apóiam esse ou aquele candidato todos os corruptos, que são de várias colorações, já denunciaram que os órgãos A, B, C, D... Z estão nas mãos dos inimigos. Minha conclusão é a seguinte: o verdadeiro inimigo do político deve ser o cidadão honesto.
Como sou masoquista, assisto aos programas eleitorais, apesar do protesto de minha filha, indignada com este péssimo hábito de entretenimento.
E depois o senhor fala mal das novelas mexicanas ela me acusa.
Um parêntese. Ela não me chama de senhor, mas de cara, carinha. Usei um tratamento mais respeitoso para divulgar os bons modos de minha família, dos quais, aliás, muito me orgulho. Fecha parênteses. Parágrafo. Travessão.
O programa tem um caráter instrutivo rebato.
Que instrutivo o quê? É uma chatice. E trate logo de colocar uma tevê a cabo.
Ao menos, penso, as empresas de tevê a cabo, as locadoras e os bares lucram mais neste período em que o povo foge dos políticos. Mesmo quem fica em casa, desprotegido diante da tevê, muda impiedosamente de canal. Ninguém quer saber do discurso do político e vota naquele que o cumprimenta na rua ou que lhe beneficia diretamente. E assim é que funcionam as eleições hoje, os mais populistas serão os futuros vencedores.
E, pior, vota-se resignadamente, sabendo que a corrupção vai continuar. Por isso os escândalos não surtem efeito eleitoral. Não há mais distinção entre partidos, políticos e ideologias, tudo virou uma única e grande ideologia a do dinheiro fácil. E como o eleitor é obrigado a comparecer às urnas, e não quer buscar o raro trigo no meio de tanto joio, escolhe quem está mais próximo.
Vários amigos e alguns jornalistas me perguntam em quem vou votar. Minha resposta tem sido a mesma. Em ninguém. Por isso assisto aos programas eleitorais. Para me convencer a anular meu voto, a inventar uma viagem para Peabiru de onde essa hiena nunca devia ter saído, bradam meus inimigos.
Como já revelei, não temos tevê a cabo. E o sinal de um dos canais abertos aqui em casa é muito ruim. Quando começa o programa eleitoral, mudo para o canal cheio de chuviscos. Minha filha fica indignada.
Se é tudo igual, por que você não assiste nos outros canais?
Para que imagem seja mais fiel à realidade.
Ela não entende a ironia de minha resposta e isso fortalece a idéia que tem de mim: um homem cheio de hábitos estranhos, como ler de madrugada, ficar preso numa biblioteca sem janelas, evitar festas, comer macarronada com molho de feijão e outras selvagerias. Não explico que, ao observar os políticos neste canal que distorce suas imagens, tenho a sensação de estar vendo um filme de terror, em que os personagens, por mais que queiram aparentar santidade, aparecem como figuras demoníacas, com sombras e traços que os deformam. Mesmo os religiosos servem a esta inversão. Talvez seja por isso que eu assista ao programa eleitoral gratuito, só por este prazer sádico, e não por masoquismo.
Eu estava convicto de que não iria votar em nenhum diabinho em trajes de anjo, e nem nos diabões vestidos a caráter. Com isso eu não me sentiria responsável pelo resultado das eleições. Na hora em que viesse a inevitável decepção, eu sairia com a clássica frase:
Esse não foi eleito com meu voto.
Não votar era uma forma de me colocar acima dos que votaram, livrando-me de toda responsabilidade. Restava-me rir dos políticos.
Durante o banho, comecei a pensar nessa abstinência política. Sim, penso no banho. O mais comum é cantar, mas desprovido de dotes canoros, resta-me a triste sina de pensar no banho. É lá, e nas caminhadas, que escrevo meus textos. De tal modo que, quando chego ao computador, faço apenas o download, baixo tudo num frenesi de teclas. Foi no banheiro que cheguei à seguinte conclusão:
Ao não votar em ninguém estou votando no favorito. Sou mais responsável pelo candidato eleito do que os demais, pois minha fuga é uma forma de valorizar os piores, geralmente os que têm a preferência geral. Isso me causou uma crise de consciência, pois até os irônicos sofrem isso.
Nas últimas eleições, evitei comparecer à minha zona eleitoral não entendo por que não mudam logo o nome para bordel eleitoral. Justifiquei o voto e pude manter a superioridade em relação aos escândalos que inundaram o país mais precisamente a classe média, pois os pobres ignoram a corrupção desde que recebam os seus vale-isso e vale-aquilo; já os ricos, esses sempre estiveram acima de tais assuntos, pois são os grandes favorecidos. E eis a receita atual: benefícios contínuos aos bem pobres, que dão dianteira nas pesquisas, e aos ricos, que garantem a governabilidade. É a conquista da República de Platão, só que às avessas.
Com a crise, mudei minha postura. Não sei ainda em quem vou votar, mas sei que dessa vez vou votar. Já comecei a assistir ao programa eleitoral gratuito num canal com imagem boa.
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