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Uma das coisas chatas na vida de um professor é ter que corrigir provas. Na universidade, muitos preferem dar trabalhos, seminários e outras formas de avaliação, livrando-se da tarefa maçante da correção, com a vantagem adicional de exigir do aluno uma reflexão pretensamente mais profunda. Os resultados, no entanto, na maioria das vezes, revelam-se inócuos. Com a chegada da internet, os trabalhos são montados (e não escritos) por meio das ferramentas copiar e colar, famosos recursos desta era em que "nada se cria, tudo se copia".

O fato é que ninguém mais escreve. As matérias são ministradas por meio de artigos e capítulos de livros fotocopiados ou oriundos de sites e os trabalhos de avaliação são colchas de retalhos compostas por textos chupados da internet, território sem rei nem lei, espécie de zona franca da informação. O aluno tornou-se um gerenciador de textos, alguém que seleciona, organiza fragmentos, consolida precariamente os dados e imprime no papel algo que não imprimiu em sua mente. O texto recebeu novo perfil: é uma colagem de muitas coisas, sem nenhuma idéia estruturada. É um objeto lingüístico disforme, sem um centro, que cresce por adição livre de trechos díspares.

Este novo aluno pode ser encontrado tanto nas séries iniciais do ensino básico quanto na pós-graduação. A idéia de que para aprender algo a pessoa deve buscar um conhecimento próprio foi substituída pela desfaçatez de se apropriar das informações disponíveis na internet, que podem ser baixadas (como se baixa uma música no iPod) no redator de texto sem o menor esforço de aprendizagem. A pessoa não precisa nem copiar.

Durante décadas, a pedagogia mais progressista negou os valores da cópia de texto, alegando que esta prática gerava um conhecimento mecânico. Pois bem, como vivemos numa sociedade pós-industrial, este procedimento pedagógico tão rudimentar deixou de existir. Ninguém mais escreve, todo mundo apenas importa textos.

Numa tentativa de reação, alguns professores estão exigindo que os trabalhos sejam manuscritos, para que o aluno ao menos passe pela experiência de reescrever o que encontrou pronto em algum site, entrando assim em contato mais direto com as idéias. Está havendo, portanto, uma volta à cópia, técnica que adquiriu uma função impensável alguns anos atrás.

Mas não é só na esfera do ensino que se deu este fenômeno de desrespeito à autoria. Alguns livros recentes, assinados por grandes nomes de nossa literatura, são subprodutos de navegações em sites – navegar é preciso, escrever não é preciso. Um famoso autor brasileiro, já com mais de 100 títulos, tem saqueado com uma inocência macunaímica os estoques de informação da internet.

Há, nestes inescritos, grande quantidade de dados, pouca reflexão e quase nenhum estilo pessoal. Os conceitos de eu e de voz própria desapareceram nesta nova ética de circulação impressa de idéias. Os emissores (não dá mais para falar em autores) são agora assaltantes sem crise de consciência. Escrever virou apenas roubar textos já existentes, camuflando sua origem. Dá para imaginar os resultados na formação do caráter de um cidadão que acha normal saquear impunemente o que está na internet. As conseqüências sociais são visíveis em nossa vida pública: quem rouba um texto crê poder roubar qualquer coisa. Se não se respeita a propriedade autoral, por que então respeitar os recursos públicos que vivem num estado de disponibilidade igual ao criado pela internet?

Talvez possa ser quixotesco, mas, como professor antiquado (leciono literatura brasileira do século XIX e não tenho compromisso em ser contemporâneo), voltei a aplicar provas mensais, com perguntas bem específicas sobre os temas dados. A primeira reação dos alunos é de revolta, que não aceitam ser cobrados assim. Eles não sabem de onde tirar os argumentos, mesmo sendo permitida a consulta de livros e cadernos, pois as respostas que espero nunca estão prontas no material que produzimos nas aulas e muito menos nos sites de literatura.

Mas o pior mesmo é que eles não aprenderam a escrever. E são, por isso, incapazes de produzir um parágrafo minimamente coerente. Grafam frases soltas. Usam o sistema de tópicos para listar algumas questões, mas não conseguem argumentar. Muitas vezes, acertam o conteúdo, mas não dispõem de meios lingüísticos para expressá-lo. Só sabem lidar com a linguagem como algo alheio, jamais como um patrimônio pessoal.

Chega a ser desesperador corrigir estas provas. Os alunos desembarcam no ensino superior sem linguagem. Sua escrita é uma ruína de textos e expressões. Restam apenas substantivos, interjeições, uma ou outra frase curta, os clichês. Pontuação é algo que eles desconhecem. Acentuação, um conceito abstrato demais para mentes formadas diante da televisão e aprimoradas no uso dos recursos da internet. Eles não possuem linguagem porque a sociedade e o ensino não priorizaram seu amadurecimento.

A maioria dos alunos universitários de hoje guarda uma mentalidade infantil. Minha filha, agora com 11 anos, adora quando tenho provas para corrigir. Senta-se ao meu lado e fica olhando as folhas de caderno que meus alunos usam.

São folhas coloridas, alegres e vergonhosamente infantis. Trazem imagens que deveriam ser constrangedoras para um acadêmico. Há cadernos com personagens dos programas de entretenimento: Garfield, Tass, Mickey, Minie, Piupiu, Moranguinho. Outros com ilustrações que pertencem ao imaginário de uma criança: ursos, flores, estrelinhas, corações, crianças desenhadas candidamente e mais uma quantidade imensa de detalhes que tomam conta das margens do papel.

São as provas cor-de-rosa, que declaram a idade psicológica destes alunos paralisados nas primeiras etapas do desenvolvimento humano. Passaram pela escola, mas não acumularam experiência nem linguagem, medusados pela mídia. Só pensam por estereótipos, por imagens doces, avessos a qualquer esforço. Tudo para eles está ao alcance de um clique no mouse ou de toque no controle remoto.

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