Livro
Acabadora
De Michela Murgia. Tradução de Frederico Carotti e Denise Bottmann. Alfaguara, 2012. 160 págs., R$ 24,90. Romance.
O romance Acabadora (Alfaguara, 2012), da italiana Michela Murgia (1972), é um estudo afetivo do polêmico tema da eutanásia.
Em nenhum momento, no entanto, a autora deriva para discursos de acusação ou de defesa, mostrando antes os dilemas de uma personagem que descobre esta prática caridosa em sua mãe adotiva, que finalizava a vida de pessoas em estado terminal.
Narrativa mais sobre a orfandade, Acabadora conta em um tom resignado a trajetória de Maria, última filha de uma viúva pobre, doada à costureira da cidade. Além desta atividade, a sua nova mãe desempenha a função oculta, que a menina não compreende, embora a acompanhe em alguns desses trabalhos. O outro ofício da costureira será revelado pelo rapaz que Maria ama, gerando um atrito entre os dois e entre ela e sua segunda mãe. Como revolta, Maria se muda para longe.
Trabalhando como babá numa cidade grande, depois de ter estudado para superar as limitações sociais de um meio rural, a moça sofre uma nova orfandade, vivendo longe da família biológica (na qual não se reconhece) e também da mãe adotiva (que a decepcionou). Sozinha, passará por uma relação com o jovem de quem cuida, buscando algum conforto com alguém que é mais um irmão do que um corpo masculino. Mas não consegue uma realização nestes encontros clandestinos, logo descobertos pelos pais do menino, que a despedem: "Quem nasce órfão logo aprende a conviver com as ausências" (p.94).
Ao longo de todo o romance, é justamente isso que sobressai. Ausência do pai ele morreu quando ela ainda estava no útero materno , ausência da mãe e das irmãs, ausência da mãe adotiva, do estudo, do amor e da própria terra natal. Se a ausência é o eixo narrativo, ela também se manifesta na linguagem. Michela Murgia se vale de lacunas, criando um clima meio vago vemos e não vemos personagens que figuram como espectros. Não é um romance com um realismo de linguagem, embora ele o seja realista na temática. A linguagem esfumaça as personagens e aquele universo, dando-lhes contornos imprecisos. Assim, tema e forma criam um romance com grande unidade, no qual o tratamento estilístico é parte da própria narrativa.
Pertencendo a uma nova geração internacional que vem recolocando no centro da arte a condição humana, num projeto de reconstrução de laços entre as pessoas, Acabadora não é um elogio da morte nem do ódio. Michela Murgia nos apresenta uma menina do mundo rural, completamente desprotegida, sujeita a todas as formas de desespero, mas que consegue se ligar ao seu mundo, mesmo naquilo que ele tem de mais agressivo. No final, quando volta, ela tem de ocupar plenamente o lugar da mãe adotiva, vinculando-se a ela de uma maneira intensa: Maria mata a mãe agonizante, percebendo que a morte pode ser maciez.
Este crime a pacifica, tornando-a, pela herança de sua profissão de acabadora, a sua verdadeira filha. Contraditoriamente, só ao exercer esse ofício, e naquela pessoa que mais a amparou, Maria consegue vencer a orfandade. Matar a mãe que não conseguia morrer é a forma mais radical de amá-la, de amar o seu passado com tantos crimes de piedade. É também uma maneira de aceitar a ausência. Ela pensa, antes de acabar com os últimos fios de vida da costureira: "a morte não podia acrescentar nada mais àquela ausência" (p. 144).
Apesar da maneira compungida de tratar estas questões, o romance tem um ritmo sereno, próprio da aldeia, celebrada como centro do mundo. Maria, gerada na morte do pai, gera a morte da mãe sofredora. Só depois disso poderá gerar a vida.
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