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– E os direitos humanos?

– Que direitos humanos o quê? Bandido é bandido. Não é vítima social – revida, colérico, o Professor.

Sim, estamos debatendo o assunto do momento – o que fazer com nossos criminosos? O Professor disse que vem de um período, eu tinha completado – pré-diluviano –, mas ele não ouviu a provocação, continuando: de um período em que você era os valores que tinha.

– E a força do meio?

– Não me venha com darwinismo míope a essa altura das coisas. O meio só desperta o que mora nesse ninho de lacraias ferozes que é o coração do homem.

– Não defendo a evolução das espécies – estou visivelmente chateado com a repreensão feita por esse profissional da irritação.

– Pois devia defender. A humanidade vai desaparecer porque renunciou ao princípio básico da sobrevivência do melhor. Hoje sobrevivem os piores.

– E quem disse que o animal e a planta mais fortes eram os melhores?

– Biologicamente, eram sim. Por isso a natureza está resistindo a todas as agressões.

– O professor agora virou discípulo de Quincas Borba: ao vencedor as batatas?

– Há uma verdade cruel no Humanitismo. A vida é sempre o triunfo de uma energia mais potente do que a média.

– E esta potência deixou de existir?

– Existir existe, mas foi desviada de seu alvo.

– Professor, explique-se. Não podemos continuar discutindo de maneira tão abstrata.

E olhei para a platéia que sempre se forma em torno do Professor, conhecido por ser um animal que fala o que pensa, nesta idade de diplomacias interesseiras. As pessoas interrompem as conversas para ouvir o velho de cabeleira basta e revolta, representação das idéias que convulsionam seu cérebro. Estamos numa fila de banco. O meu interlocutor fica meditativo, sei que está preparando o bote. Então me lembro de que pode usar o caixa preferencial para a terceira idade.

– E aí, Professor, não vai encarar a fila dos velhinhos? – provoco.

– Eis o exemplo que você queria. Já parou para pensar no prejuízo de tempo e de dinheiro que estas filas preferenciais causam? Os que estão na ala produtiva, que chegaram aqui com antecedência, que trazem trabalhos urgentes e deixaram coisas para resolver são preteridos em nome de idosos que apenas vêm ao banco mais para preencher o tempo do que para resolver algo urgente. O princípio da piedade está levando a humanidade à falência.

– Não acredito que seja esse princípio que conduz a política bélica dos Estados Unidos.

– Reações ao excesso de bom-mocismo democrático, meu caro. Apenas reações. Prevalece o princípio da piedade.

– Então me dê mais exemplos.

– As políticas de cotas nas universidades.

– Preconceito racial, Professor. Logo o senhor que tem um pé na senzala.

– Uma pata, meu caro, tenho uma pata na senzala – ele, pela primeira vez, aceita a provocação. Passa a mão nos cabelos, tentando acalmar as idéias.

– Vamos ao ponto.

– O princípio da piedade diz que devemos dar oportunidades a negros, índios e alunos de escola pública. E daí criamos as cotas, tirando a vez daqueles que, mais pela loteria genética do que pela loteria social, tinham direito de cursar a universidade. Com isso, minimizamos nosso complexo de culpa, e sabotamos o desenvolvimento da sociedade, pois estamos concedendo postos aos menos preparados.

– Mas eles poderão se preparar. O papel iluminista do ensino.

– Ora, ora, dona Aurora, não me venha com essa baboseira. O ensino só tem proveito para os que se mostram vocacionados. Não é para todos. Mude o contexto e tudo fica claro. Vamos imaginar que o governo federal criasse uma lei exigindo que tantos por cento das vagas de um time de futebol fossem para tal etnia excluída, como os poloneses. Os que entrassem por essa cota, tirando a vez de grandes jogadores, aprenderiam a jogar futebol?

– Mas é diferente. Aí se trata apenas de esporte, não de educação.

– Esporte ou qualquer outra coisa, o que determina a diferença é a vocação.

– Mas professor, nós estamos nos desviando de nosso assunto. O que fazer com os assassinos?

– Começar cortando um dedo, depois, quando ele reincidir, dois dedos, depois a mão, um braço, a língua até chegar ao momento de cortar o pescoço.

– Não acredito, o senhor é mesmo a favor da pena de morte?

– Sou a favor da evolução moral da espécie. Não podemos continuar criando desculpas para as atrocidades cometidas por esses monstros.

– Mas e um menino de 16 anos? Também iria para o paredón?

– Começa que não existem meninos de 16 anos. Já são adultos aos 12, 13 anos. Uma lei que ainda tome esses hominhos terríveis como criança é, no mínimo, uma lei caduca. É como a mãe que dá de presente para a filha de 15 anos uma boneca, quando devia é providenciar preservativos. Com a informação, nós amadurecemos antes da hora. Somos como os frangos de granja. Prontos em 60 dias. Não mais em 6 meses.

– Então, para o abate com os bandidos de 60 dias.

– É isso. Matou em condições de perversidade, não podemos perdoar. Falta a lei do Velho Oeste. Viramos um país comandado pela lei do jardim de infância. São todos inocentes – por favor!

– Mas, Professor, voltamos ao início da discussão. E os direitos humanos? Não dá para ser dente por dente. Uma morte por outra morte. O homem é um ser racional.

– O homem é um ser moral. Não devemos aceitar as excrescências morais como pares.

Alguém grita: salve Hitler! Depois, ouve-se o grito tupiniquim: Anauê. E outra voz secunda: apronta as pernas pra correr.

Tento contemporizar.

– O senhor não está sendo um tanto radical, Professor?

– Ainda não revelei minha principal proposta. Acho que a pena de morte deve começar a ser aplicada contra os corruptos.

– Então, estamos definitivamente livres dela – eu digo, aliviado.

O caixa me chama, mas cedo a vez ao Professor, que me olha com raiva e abandona a fila, desistindo de pagar suas contas.

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