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Miguel Sanches Neto

Medo de voar

Já tive medo de voar. Não por qualquer motivo governamental, mas por ser, por natureza, medroso. Quando comecei a viajar de avião com certa regularidade, passei um grande apuro num vôo fatidicamente saído de Porto Alegre. A tempestade quase nos derrubou. No meio da turbulência, fiz corajosamente um pedido:

– Se for para morrer de avião, que seja agora. Se eu não morrer hoje, que nunca mais tenha medo.

Apertei o cinto, rezei um Pai-nosso, me despedindo do mundo, e me preparei para o pior. Logo percebi que, à minha frente, uma velhinha rezava com o terço na mão. Fui me acalmando e a tempestade seguiu meu exemplo.

Desde então, não tenho tido medo de avião.

Eu não seria, portanto, um bom ministro para a área.

Explico. Não sei quais são as qualidades do novo ministro da crise aérea. Não vou fazer críticas a ele. Mas temo que não se tenha feito uma escolha criteriosa. Um bom ministro para este momento deve ser uma pessoa com pânico de avião. Só assim ele poderá se preocupar com a segurança dos passageiros. O ideal era um desses maníacos que só viajam de carro e que de aeroportos só querem uma coisa – distância.

Se o ministro for um dos que entra em avião sem o menor receio, mesmo quando o destino é o aeroporto de Congonhas, a crise persistirá.

Como cidadão que voa incentivado pelas tarifas baixas, e pelo péssimo serviço das companhias aéreas, ou seja, como cidadão masoquista, gostaria de propor dez soluções burras (para não destoar muito).

• 1. Como o ministro não é um homem oriundo da aviação, seria importante que fizesse ao menos um curso concentrado de pilotagem de ultraleves.

• 2. A sua primeira medida deveria ser a criação de quebra-molas aéreos nas imediações de todos os aeroportos do Brasil, evitando assim que aeronaves ultrapassem os limites de velocidade. Poderiam ser colocados radares para multar os infratores. Sobre isso, há uma larga experiência de prefeitos brasileiros.

• 3. Implementar uma modalidade de transporte que ficou esquecida, e que era muito eficiente em tempos bem menos desenvolvidos. O teletransporte. Quem se lembra do seriado Jornada nas Estrelas (Star Trek), há de concordar comigo. Já naquela época era possível ir da nave Enterprise a certos planetas entrando em uma cabine que desmaterializava o viajante e o rematerializava no lugar desejado. Só é preciso preparar uma licitação criteriosa para que o governo não acabe comprando tecnologias não-confiáveis, como a do Túnel do Tempo, que não dá a segurança de se chegar ao lugar desejado.

• 4. Enquanto isso não ocorre, podemos tomar algumas medidas emergenciais. Minha sugestão é que o ministro construa o novo aeroporto de São Paulo bem no interior do Nordeste. Como a maioria dos paulistanos é de origem nordestina, isso seria uma bela homenagem. O presidente, que quer investir em seu maior reduto eleitoral, ficaria feliz. No Nordeste, não haveria a exploração imobiliária em torno do aeroporto, e o ministro poderia criar uma linha de pau-de-arara para levar os viajantes até São Paulo, incentivando o turismo pitoresco.

• 5. Criar o sistema de controle de deslocamento populacional. Para ir de avião para outros estados, a pessoa teria que pegar um visto das autoridades de migração interna. Isso seria a oportunidade de criar novas vagas de trabalho nos estados, acomodando um grande contingente de protegidos políticos.

• 6. Trocar os controladores de vôo por árbitros de vôlei, que estão acostumados a acompanhar bolas arremessadas rapidamente contra o chão. Para dar um charme especial, e entreter os passageiros que esperam, a central de informações do aeroporto de Congonhas seria comandada pelo Galvão Bueno:

– Amigos da aviação, acaba de pousar mais um vôo da Goooooooool. É do Brasiiiiiiiiiiiil!

• 7. Nesta mesma linha esportiva, instalar alambrados de proteção na cabeceira de cada pista. Os alambrados são muito mais seguros do que o sistema de ranhuras utilizado hoje.

• 8. Obrigar todos os prédios, num raio de 500 metros em torno dos aeroportos das regiões urbanas, a contar com sistemas de abrigos antiaéreos.

• 9. Criar a obrigatoriedade de sex shop nos aeroportos, para que o passageiro tenha a oportunidade de, se não conseguir relaxar, ao menos gozar. Terão que ser adaptados também os banheiros dos aeroportos, para maior comodidade dos usuários.

• 10. O leitor deve estar imaginando onde o governo vai arranjar dinheiro para fazer frente (no estado das coisas, seria fazer retaguarda) a estas despesas. Por fim, aconselho o ministro a pedagiar as aerovias, criando um fundo para a melhoria do sistema aéreo e também para as indenizações.

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