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Miguel Sanches Neto

Nas ruínas do romance

O escritor argentino Macedônio Fernández (1874-1952): pioneiro | Reprodução
O escritor argentino Macedônio Fernández (1874-1952): pioneiro (Foto: Reprodução)

Muitos teóricos já pregaram a morte do romance e alguns escritores tentaram cometer este assassinato em grande estilo. Uma das tentativas mais mitificadas talvez tenha sido a do argentino Macedônio Fernández (1874-1952), com um livro publicado postumamente: Museu do Romance da Eterna, de 1967. É uma narrativa construída como uma pista cheia de obstáculos, instransponíveis para a grande maioria dos leitores: o autor gasta a metade do livro com os 59 prefácios que montam, de forma tumultuada, uma teoria estética. Não se quer a narrativa, mas a discussão metafísica da arte. Os prefácios se desdobram, ironicamente, e vão retardando a chegada da ficção.

Em uma de suas expressões célebres, o teórico italiano Umberto Eco definiu a literatura como "maquinação preguiçosa". Ou seja, como um demorar-se sobre as coisas, contrapondo-se assim à ligeireza das experiências modernas. Nenhum livro ilustra melhor este conceito do que Museu do Romance da Eterna, que enreda o leitor em suas infindáveis discussões preliminares. O narrador, por isso, vai computando a debandada da platéia. No final do prólogo 58, ele constata que houve "sessenta e oito baixas de leitores". Mais adiante, na página 201, em nota de rodapé, registra a desistência de mais uma leva: "não posso evitar verificar sessenta e três baixas de leitores". Enfim, na página 226, completa-se a sua solidão: "daqui em diante o autor continua sozinho. Os últimos leitores dão baixa ao autor". Macedônio renuncia a uma grande camada de leitores, buscando a companhia daqueles para quem a literatura é mais do que argumentos. Ele ainda zomba do que chama, com maiúsculas, "Leitor de Capa, Leitor de Porta, Leitor Mínimo ou Leitor Não Conseguido". Este é um leitor externo à obra, tal como o narrador logo explica: "Calcula-se cem leitores de capa para um de livro".

Não há uma recusa apenas do falso leitor ou do leitor de folhetim, e sim de toda a tradição do romance realista ou do que ele chama, pejorativamente, de literatura de contista, aquela que leva a vida para a escrita: "a verdade de vida, a cópia de vida, é o que abomino" (prólogo 17). Macedônio entende o romance como artifício, e quer escancarar, a cada linha, a sua natureza inventada. Avessa a qualquer forma de ordem, a sua escrita é louca, exigindo uma leitura igualmente descontinuada. Neste novo pacto, o leitor deve fazer uma leitura salteada, sem se preocupar com a coerência.

Vencida a etapa dos prólogos, começa a história propriamente dita, com personagens que não são pessoas, e sim arquétipos, e que habitam um cenário – uma estância chamada Romance. Neste lugar atemporal, as criaturas artificiais, que levam nomes esdrúxulos (Quiçagênio, Doce-Pessoa, Eterna etc.) vivem num plano da consciência e não impõem uma presença física, numa negação estratégica do eu, da individualidade e da própria historicidade. Os fatos são mínimos: uma cruzada folhetinesca contra Buenos Aires, o amor se insinuando mas de forma inviável, conversas soltas...

Ao recusar o realismo, Macedônio Fernández defende uma visão idealista do homem. Dotar os personagens de um passado, de uma história, de um nome ou colocá-los em situações de vida seria defender uma arte provisória, passageira, falível. É neste sentido que o romance cultua a Eterna.

Mais aventura do intelecto do que qualquer outra coisa, Museu do Romance da Eterna se vê, como está dito em um dos seus posfácios, como o "primeiro livro aberto na história da literatura" – antecipando assim um dos conceitos teóricos centrais de Umberto Eco – a obra aberta. Ao leitor afeito às lacunas cabe a tarefa de construir a narrativa a partir da teoria proposta.

Depois de ter sido levada a este beco sem saída, onde um único romance seria eternamente lido e recriado pelos leitores, a literatura voltou a valorizar os autores que sabem ressuscitar o romance realista.

Serviço: Museu do Romance da Eterna, de Macedônio Fernández. Tradução Gênese Andrade. Cosac Naify, 266 págs., R$ 49.

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