O Orkut institucionalizou a tietagem, com suas páginas de "eu amo isso ou aquilo", dando espaço também às negações feitas por grupos que detestam a mesma coisa ou pessoa. Não freqüento o Orkut, não por qualquer tipo de implicância senil, mas por achar que todo conhecimento adicional em informática resulta em perda de tempo. Só agora começo a me aventurar, contra minha vontade, no messenger, e não vou me entregar fácil fácil ao Orkut. Então, não sei dizer se existem comunidades de "odeio copa do mundo", mas seria muito saudável um pequeno grupo se reunir para protestar contra a histeria futebolística que tem em Galvão Bueno seu mais arrematado porta-voz. Nada contra o Galvão Bueno, acho que ele é apenas o reflexo do torcedor brasileiro.

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Mesmo sendo o país do futebol, o Brasil não conta com uma grande torcida para seus times. Digamos, de maneira absolutamente hipotética, que 50% da população acompanha diariamente futebol e a outra metade, onde me incluo, ignora este esporte. Acho que existem mais pessoas que não estão nem aí para o futebol, mas, para expor minha tese, permitam que eu declare empate técnico nesta porcentagem.

Bem, num país assim, meio a meio, uma pessoa que destina a esta atividade um desprezo solene pode sobreviver sem maiores problemas. Há mais assuntos nas rodas de conversa fiada, podemos ler outras notícias nos jornais e as propagandas são variadas. Na copa, viramos um país de 99,9% de torcedores e aí, nós, os que não gostamos realmente de futebol, somos massacrados de todas as formas. É impossível tocar a vida neste período.

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Futebol é business – dizem os marqueteiros. Será que apenas eu enjoei das cores verde-e-amarelo nas lojas, nas vitrines, nos edifícios? Pô, até cara-pintada, antes símbolo da resistência ética, hoje é apenas uma decoração para a festa do futebol. É isto que vejo nas pessoas em época de copa – todos estão com um único figurino para um monótono baile de máscaras. Coisa mais sem-graça.

Antes, eu caminhava pela cidade na hora sacrossanta do jogo. Tudo completamente deserto. Até os cães vadios desaparecem, temendo o estouro dos rojões ou por respeito à grandeza do futebol do Brasil? É um momento para se aproveitar e ver a cidade como se tivesse acontecido um apocalipse. Nessas caminhadas, eu via a paisagem urbana sem o homem. Era uma experiência muito interessante. Esperava o miniferiado futebolístico com ansiedade. Mas, na copa passada, sofri um verdadeiro atentado terrorista. Vinha caminhando alheio a tudo, pensando em coisas que não estavam na ordem do dia, quando uma família, saindo à rua para soltar rojões, sem que tivesse acontecido nenhum gol do Brasil, apenas pelo furor da copa, soltou uma bomba em meus pés, devolvendo-me a esta época horrorosa. Repassei o dicionário de palavrões inteiro, fazendo saudáveis elogios à santíssima senhora mãe de todos, sem que os agredidos ameaçassem a menor reação. O marido pediu para que entrassem. Antes disso, porém, a mulher respondeu aos meus cumprimentos:

– Só porque você é um infeliz quer que todo mundo seja igual.

Eu ri muito. Tinha entendido a lógica da coisa. Todo mundo quer parecer feliz da vida, por isso torce, veste-se, fantasia casas e carros. Não somos um país alegre? O futebol não é nossa reserva de entusiasmo? Pois então, vamos festejar, vamos torcer. Quem não cai na folia é mesmo um grande fodido.

Este ano, embora não tenha mudado meus hábitos de casmurro, resolvi assistir ao menos aos jogos do Brasil. Para acompanhar a primeira vitória, minha filha decorou a sala (sim, minha própria filha), vestiu roupas verdes e amarelas, chamou minha sobrinha e prepararam uma pequena torcida. Eu ainda não sei quem compõe nossa seleção. Sentei na frente da tevê uns minutos antes do jogo, ouvi os hinos do Brasil e da Croácia, mas não consegui ficar.

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Minha irmã e eu nos reunimos numa outra sala, com janelas de vidro dando para a rua, e atravessamos o primeiro e o segundo tempo conversando sobre bobagens. Os rojões anunciaram o gol do Brasil, poucos rojões. A festa, pelo menos por aqui, foi contida. No fim do jogo, um ou outro torcedor povoou a rua com gritos e grunhidos previsíveis. Não sei se a seleção da Croácia é um adversário forte, não sei e não vou procurar saber como foi o jogo, mas esta deflação de entusiasmo me pareceu uma reprovação ao nosso time. Foi uma vitória meio constrangida, pelo jeito. Não sei, não entendo de futebol e não consigo me alegrar com esta grande bebedeira cívica da copa, copa que, para mim, tem menos valor do que uma partida de várzea.

E esta foi minha vingança mais recente.

Convidado pela editora Nova Alexandria a participar da antologia 11 histórias sobre futebol, aceitei (sou mesmo irresponsável) com uma condição: escreveria sobre o futebol de campinho, disputado por meninos. Meu conto, "Jogar com os mortos", não fala da partida em si, mas dos acertos de um grupo de meninos que deve vencer o time dos ricos. Em campo: duas classes sociais. Isto é o que mais me agrada da máquina do futebol. É uma chance para os pobres num país que os exclui. O que me desagrada é que estes pobres, quando vencem as barreiras econômicas, tornam-se novos-ricos com todos os defeitos da classe dominante. São feios nossos jogadores, revelando a infância pobre, mas exibem carros luxuosos e mulheres idem.

Embora eu fale sobre futebol, conto uma armação de bastidores. Vencer no campo é uma conseqüência de mutretas indispensáveis, o que diminui o valor da vitória dos pobres. Em todos os sentidos, nosso futebol é muito, mas muito parecido mesmo com nossa política.

Minha participação neste livro mostra que mesmo quem odeia futebol e copa não consegue, nesta temporada, fugir do assunto.

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