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Miguel Sanches Neto

Políticos volúveis

Ingeborg ten Haeff: paixão inadequada do filho de Vargas | Nina Subin/Divulgação
Ingeborg ten Haeff: paixão inadequada do filho de Vargas (Foto: Nina Subin/Divulgação)

Uma das datas do nascimento do Brasil moderno talvez seja o dia 28 de janeiro de 1943, quando os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos se encontraram em Natal. Começava ali, numa reunião amistosa e improvável (o mundo estava em plena Segunda Guerra Mundial), a guinada democrática do país, com a adesão ao modelo norte-americano de viver e de consumir e a entrada do Brasil no conflito – negando assim as tendências nazistas de nosso simpático ditador. Esta data mereceu todo um livro – 1943: Roosevelt e Vargas em Natal, do jornalista Roberto Muylaert (Bússula, 2012).

Não se trata de obra com unidade narrativa, tendendo mais para um conjunto de artigos avulsos, agrupados em torno deste episódio. O encontro dos dois presidentes e as razões da implantação da base militar de Parnamirim são apresentados pelo autor numa linguagem de crônica. Muylaert mostra que os americanos precisavam daquele aeroporto como ponto de apoio para as ações militares na África, pois os aviões tinham uma autonomia de voo limitada. Esta presença ianque num país cuja política era claramente pró-nazista facilitou a negociação com os Aliados, modificando os rumos de nossa política e de nossa história. Se não tivesse havido o encontro e o entendimento entre os dois líderes, o Brasil poderia ter sido bombardeado talvez pelas forças americanas. Roberto Muylaert situa estas questões e as analisa de forma didática.

O livro peca, no entanto, pelas repetições. Como cada capítulo é quase uma crônica avulsa, o autor retoma frases, conceitos, análises e informações, tornando o conjunto um tanto rebarbativo. Por outro lado, há uma tendência a falar ligeiramente de vários assuntos secundários, como marcas de avião e de navios, o que desvia o livro de seu centro. Falta uma força organizadora no volume, que não conta uma história, mas várias.

Talvez o outro fato importante tratado no livro seja o das relações da família Vargas com o poder nazi-fascista. Um dos filhos de Getúlio era empregado de uma aviação italiana (a Lati): "que trabalhava no Brasil para o governo fascista [e] tinha como diretor de operações o filho do Presidente da República, Maneco Vargas, numa ação explícita das relações públicas internacionais e de atração diplomática" (p. 118). O envolvimento é ainda mais complicado na biografia de outro filho de Vargas, Lutero, que se casa com uma adorável alemã, Ingeborg ten Haeff, dando a Getúlio uma nora ariana. Este casamento, um equívoco do ponto de vista pessoal e diplomático, acaba gerando conflitos depois que o Brasil se alinha aos americanos.

Ingeborg tem sido apresentada como uma espiã alemã, que passava informações secretas de guerra a seu país natal. Linda, elegante, com vocação artística e frequentando a intimidade da família do Presidente, ela guarda todos os atributos para ser transformada em uma figura lendária. Muylaert, no entanto, consegue entrevistar Ingeborg e mostra que ela não tinha razões para ajudar os nazistas, pois sua família fora vítima deles. O autor, assim, desmitifica esta mulher. Fora uma paixão inadequada do filho de Getúlio, que se separou dela logo em seguida. O que atrapalhava neste casamento era mais a simbologia da união do que o perigo de ela divulgar segredos de guerra.

O pragmatismo de Getúlio Vargas fica claro neste momento histórico. Sendo ditador, une-se aos países democráticos, barganhando apoio por investimentos. E, para isso, nega os vínculos explícitos com os alemães e italianos. Por sorte, esta volubilidade própria de nossos públicos nos colocou do lado certo.

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