"O Primo poderia aumentar o local, reformar o prédio precário, trocar as mesas ou qualquer outra inovação para atrair freguesia. Como não faz isso, o endereço é mantido meio em segredo pelos freqüentadores, que constituem uma verdadeira confraria. Quando alguém elogia algum lugar sofisticado, sempre revidamos com um sorriso de superioridade: Um dia levo você lá no Primo."
Apreciador imoderado de cerveja Antártica, meu padrasto tinha preferência pela Original, quando ela era fabricada em Ponta Grossa, seguindo uma receita da cervejaria local, a desaparecida Adriática, que bebia das boas águas da cidade. De passagem por Ponta Grossa, sempre levava para Peabiru a melhor cerveja do Brasil. A Original continua sendo fabricada, mas com outras águas, e já não encanta meu padrasto.
A cidade perdeu um de seus principais símbolos, mas muita coisa ainda mantém uma originalidade que merece destaque, por conta do caldeirão de etnias que a compõe.
Na área gastronômica, felizmente a cidade não se modernizou totalmente, guardando vivas algumas tradições rústicas que encantam qualquer adepto de uma boa comida.
O prato-principal aqui é o churrasco, como em boa parte do país. Apesar das churrascarias de rodízio, o churrasco tipicamente ponta-grossense é o espeto de alcatra com o corte americano, aquele em que fica o osso no meio , assado em fogo de lenha e devidamente temperado. Embora seja um prato comum, poucos são os lugares que ainda o preparam com a rusticidade que ele exige.
O mais tradicional é a Churrascaria Expedicionário, no bairro de São José, um construção de madeira que tem as mesas cobertas com linóleos. Nos dias de chuva é possível que o piso esteja tomado de serragem. É o bom churrasco do interior. Nada de rodízio, o espeto é posto num suporte de alumínio no centro da mesa, e se paga não por pessoa, mas por peça de carne, com direito aos fatídicos acompanhamentos, que acabam, logicamente, sempre sobrando, dada a generosidade da peça bovina.
Mais pitoresca ainda, e com fama de servir o melhor alcatra do mundo, é a Churrascaria do Primo, na saída para o Norte do Paraná. O local é uma antiga borracharia num canto do posto. É preciso aguardar a vez, pegando senhas de papelão que o dono distribuiu com raras palavras. Poucas são as mesas, e o ambiente é visivelmente descuidado, mas não há carne igual neste lado do planeta. Macia, saborosa, com aspecto ótimo. Também vem na mesa num espeto que é instalado em pedras. O acompanhamento tenta não roubar o sabor da carne: pão, feijão preto, arroz branco, cebola em conserva, salada de tomate e alface, buchada e maionese. Sistemático, o proprietário não aceita cheques (é um estabelecimento de beira de estrada) e muito menos cartões. Não há sobremesa, mas o cliente pode filar algumas balas atrás do balcão ou um cafezinho gordo.
O Primo poderia aumentar o local, reformar o prédio precário, trocar as mesas ou qualquer outra inovação para atrair freguesia. Como não faz isso, o endereço é mantido meio em segredo pelos freqüentadores, que constituem uma verdadeira confraria. Quando alguém elogia algum lugar sofisticado, sempre revidamos com um sorriso de superioridade:
Um dia levo você lá no Primo.
Mas nem só de endereços secretos é composta a rota original de nossa gastronomia. No centro da cidade, na famosa rua XV, temos um bar recente, num prédio antigo que foi restaurado. O Botequim. O ambiente estilizado pode parecer meio trash, mas, entre os pratos de boteco, um é tentador. Trata-se do combinado de lingüiças, servidas ainda frigindo numa chapa. Sem conservantes, produzidas em pequena escala, as lingüiças são do Açougue do Adi, o mais tradicional da cidade, que só trabalha com suínos.
Quem aprecia boteco não faz conta de calorias. Então, recomendo, na Avenida Vicente Machado, no bar Rei das Batidas, o torresmo frito imenso e carnudo. Daqueles de escorrer gordura pelo queixo quando comemos.
E para ficar no âmbito dos subprodutos do porco, há ainda uma coisa bárbara, que só encontrei no Baviera, nas imediações do campus central da Universidade o joelho de porco na chapa, cortado em fatias bem pequenas. É claro que esta gordura toda pede solventes uma dose de estanhegue e alguns canecos de chope ou copos de cerveja.
Também foge do circuito mais industrial de restaurante uma casa de madeira na Vila Estrela, e que só atende de sexta a domingo o Barbosinha. Especializado em comida árabe, as suas pastas são imbatíveis, e também a coalhada. E também a cafta, o charuto etc. É o dono e a família que cozinham e servem, dando-nos a impressão de estar na casa de um amigo.
Para os que dispensam este regime gordo, e querem algo mais leve para a noite, há a Pizza de Oz, no começo da Avenida dos Vereadores. O lugar é minúsculo e funciona num fundo de quintal transformado em frente pela abertura desta via rápida. São duas mesas num puxado de madeira, onde ficam a produção e o forno. Ao lado, no porão da casa, instalaram mais três mesas. Sobe-se por um barranco onde foram fixados uns pedaços de madeira.
Um casal atende os pedidos, prepara a massa, monta a pizza, põe para assar e serve. Os clientes devem se virar neste pequeno espaço, buscando a bebida na geladeira, pegando pratos e talheres no armário. O forno a lenha é mantido aceso pelo próprio dono, que conversa com todos enquanto corre de um lado para outro. Tudo da melhor qualidade, com grande generosidade. E então vem aquela sensação de que estamos em torno de uma fogueira, comendo uma comida preparada ancestralmente.
Há ainda as Empadinhas Otto, outra tradição local, que fica no São José. Empadinhas de palmito, ótimas para acompanhar um rabo-de-galo ou uma cerveja. Os proprietários também produzem umas queijadinhas maravilhosas, que, na verdade são cocadinhas, perfeitas com um café expresso.
E para completar esta viagem pela culinária local, há que se experimentar, apenas nas terças e quintas à tarde, as broinhas de fubá da Panificadora Bellepane, no Jardim América, que também serve um pão de queijo totalmente diferente de qualquer outro que você já tenha experimentado.
Em todos estes casos, é preciso comer para crer.
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