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Miguel Sanches Neto

Quarto de filha

Antes ela queria dormir na cama deles, nem que fosse nas últimas horas da manhã. Chegava meio sonâmbula, com o travesseiro colorido numa das mãos, e se aninhava entre os dois. Um cheiro de inocência invadia o quarto. Ele não sabe explicar que cheiro era esse, de onde vinha, provavelmente dos sabonetes infantis, de alguma bala comida depois de ter escovado os dentes, ou do xampu, mas era impossível não notar a mudança do ar. Sem conseguir dormir, ele ficava apreciando aquela presença. Tudo duraria muito pouco. Era melhor aproveitar esta fase da filha: os pais ainda são uma necessidade, nem que seja apenas de madrugada, quando ainda há uma vontade de ser uma criança entre adultos.

Mas já havia sinais de que ela passava por um período de mudanças. Nenhum mais evidente do que o quarto com mó­­veis e decorações infantis não combinar mais com quem o ocupava. Na porta do guarda-roupinha, o espelho estava em uma altura que ela não conseguia ver o rosto. Na cama, estreita e curta, ela se equilibrava, tendo os pés descobertos, um pouco para fora do próprio colchão. O pai entrava no quarto e via aquele contraste.

Então ela comprou pela internet um perfume feroz e, pela manhã, além do banho, da meia hora no trato dos cabelos, com secadores e chapinhas, e da maquiagem, havia a sessão de perfume. No carro, enquanto a levava para a escola, o pai foi se acostumando ao novo odor, que o tonteava em horas tão matinais. Conduzia uma mulher. E quando a deixava no portão da escola, ela seguia em seu passo firme e decidido para o mundo que ele só conheceria assim, visto de fora, nuns poucos segundos em que o carro podia ficar estacionado para o desembarque.

Tem levado a filha no shopping, na casa das amigas, em festas, em lanchonetes, e se sente deixando-a no portão da escola. Excluído desse mundo, ele volta para casa com uma sensação de vazio. Passa então, como se tivesse em busca de algo, pelo quarto da filha, abre a cortina e olha o quintal da janela. Sim, é um território muito apertado.

– Você tem que se acostumar – diz a mulher.

Ele desconversa, lembra de alguma coisa do dia anterior, faz planos de uma viagem, fala que está pensando em comprar um armário do século 19.

– Chega de móveis antigos – ela diz –. Vamos reservar um dinheiro para o quarto dela.

Ele reluta.

– Poderíamos esperar mais um ano. Os móveis ainda estão bons. E como ela está crescendo...

– Ela já cresceu. Passou você em altura.

– O que não chega a ser uma coisa difícil – ele tenta brincar.

– Nunca é fácil ultrapassar os pais.

– Já perdi dois centímetros de altura. Que a velhice seja bem-vinda. Móveis antigos combinam cada vez mais conosco.

– Não com ela.

E meses depois chegam os móveis do quarto da filha. Antes, os pintores trocam a cor das paredes, a mãe instala cortinas novas, com blecaute, pois nos fins de semana a filha dorme até mais tarde, já não madrugando com os pais.

– Por que uma cama de casal para ela?

– Quando você fica sozinho em hotéis não pede apartamento com cama de casal?

– É mais confortável.

– Pelo mesmo motivo mandei fazer uma cama de casal.

A porta do armário é um imenso espelho, ele nunca tinha visto um tão grande. Não questionou nada, e ainda deu de presente para a filha um laptop.

A porta agora fica fechada. A filha não procura mais a cama dos pais. Durante a noite, ela ouve música até tarde. Quando ele gosta de alguma canção, pergunta o nome do intérprete e ela dá a ficha completa, mas sem muita paciência. Como o pai po­­de desconhecer este grande su­­cesso do momento?

No carro, anda só com o iPod. Ouve num volume tão alto que ele também acompanha a música. De repente, num momento de generosidade, ela tira um dos fones do ouvido dela e coloca no do pai.

– Preste atenção, você vai gostar desta música.

Mas como prestar atenção se ela deixa apenas uns segundos e já volta à sua bolha acústica, cantando trechos. O pai dirige em silêncio, aproveitando todos os sons.

Ela se exila no quarto. É onde também fica o telefone sem fio. Não deixaram uma extensão do telefone lá, e agora o da sala mudou de lugar. Telefone, internet, tarefas escolares, música. É a grande ausente na casa, embora ainda passe ali a maior parte do tempo.

Como o quarto vive fechado, o pai bate na porta. Ela diz para entrar. Está na cama com o laptop. O espelho duplica a filha.

– Posso me deitar um pouco? – ele pergunta num tom meigo de voz.

– Hum-hum – ela diz, sem olhar para ele.

O pai está de pijama, deita-se sobre o edredom, ficando quieto ao lado da filha. Ela não lhe dá a menor atenção. Gostaria de rezar um pai-nosso, como fazia todas as noites. Mas a filha não vai dormir agora.

Ele logo sai do quarto.

– Não se esqueça de puxar a porta – ela diz, olhando a tela do computador.

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