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Querido Papai Noel

Sou A. C. tenho 9 anos e quero lhe fazer um pedido de ganhar um cobertor de bebê pois minha mãe está grávida de 7 meses ela não pode comprar pois está sem emprego eu agradeço se puder realizar meu pedido obrigado.

Nome: A. C. O.

Endereço: Rua Fulano de Tal, n. 2.

Bairro: Órfãns.

Próximo da linha do trem.

Eis a cartinha que recebemos aqui em casa na caixa de correio, provavelmente distribuída pelo carteiro. Num primeiro momento não pensei na hipótese de ter sido colocada ali pelo rapaz que me traz as correspondências. Em certos dias, um batalhão de mulheres e crianças chega de ônibus ao bairro e faz o arrastão nas casas, mandando os filhos mendigarem, enquanto elas aguardam, prudentes, nas esquinas.

Uma manhã de frio, num domingo, este é o dia em que todos estão em casa, eu fazia minha caminhada. Um menino descalço, calção e camiseta fina pediu-me uma blusa. Comovido, tirei minha blusa e dei a ele, sentindo-me um cidadão exemplar.

Quando voltava, com os lábios roxos por conta da exposição ao clima, vi o mesmo menino sem minha blusa, tocando a campainha de uma casa. Como uma coruja perigosa, a mãe esperava não muito longe, com sacolas de roupas angariadas, que seriam vendidas em brechós.

O primeiro sentimento foi de raiva. Não pela peça perdida, mas por ter sido ludibriado por uma encenação barata. Se ao menos fosse algo mais sofisticado...

Trazemos tantos sentimentos de impotência diante das misérias sociais que caímos nas mais toscas armadilhas.

Depois pensei que cada um usava as armas que possuía, e que a forma de sobreviver daquela família era uma espécie de teatro vivo. Enganar os ingênuos. O mesmo teatro das prostitutas que fingem interesse. Ou dos políticos que vendem a imagem de pessoas preocupadas com o bem-estar coletivo. Esta arte vulgar nos persegue e nos engabela.

Agora a menina que pedia um cobertor para uma criança que vai nascer. A primeira reação foi dizer a mim mesmo, tranqüilizando-me: quem virou o olhinho de prazer que vá atrás do sustento do filho. Também pensei em mandar a mãe bater à porta dos políticos assistencialistas que levaram o voto dela. Não tinha nada a ver com esse negócio todo.

Mas a menina não pediu algo para si e sim para o bebê. Havia uma renúncia que me comovia. Esses sentimentos piegas ficam mais fortes às vésperas do Natal, quando nasceu o Deus menino, pobrezito que ele só. Lembrei-me de minha formação católica, quem será este outro menino? Talvez seja um novo salvador do mundo e só quer um cobertor – um cobertor justo no verão, meu Deus.

– É provável que seja apenas mais um bandido – me disse um demônio interior.

Bandido ou salvador, concluí, tinha direito a um cobertor. Minha mulher providenciou o cobertor e um presente para a irmã que escreveu a cartinha com sua letra tremida. O bairro tem o nome significativo de Órfans, onde aliás já morei. E a rua, segundo minha mulher, não passa de um campo esburacado, onde ela não conseguiu chegar de carro, tendo de aproximar-se a pé em busca da menina, que levou um susto ao ver alguém com o cobertor e um presente para ela.

O Papai Noel tinha respondido. Ali estava um pequeno milagre que nada tinha de divino, era apenas uma reação gerada pelo complexo de culpa próprio da classe média. Ricos não sentem isso, apenas quem já esteve próximo da pobreza sabe quanto ela é destruidora.

De certa forma, eu tinha sido esse Papai Noel, tão tolo quanto os inúmeros velhinhos de vermelho que ficavam nas lojas, tirando fotos com crianças, distribuindo doces e acenando a todos. Dezembro é o mês mais cafona do ano, sempre desejo que tudo acabe logo, para voltarmos a um mínimo de seriedade.

Mas juro que fiquei com vontade de pagar os estudos da menina que me escreveu, de ser aquele que realiza sonhos. Num país em que os políticos não cumprem seu papel de dar uma vida melhor a todos, em que os milagres são cada vez mais raros (onde, senhores, nossos santos?), em que o estudo cria pessoas insensíveis, em que as ONGs estão envolvidas nas piores falcatruas, não seria o caso de cada um de nós, pelo menos no fim de ano, fazer alguns sonhos se realizarem?

Não, não tenho varinha de condão, não sei fazer chover no nordeste, não aprendi a transformar água em vinho, então por que aceitar essa missão?

A criança que irá nascer, lá no bairro das Órfans, terá que conhecer a sordidez do mundo, descobrindo que o Papai Noel que a visitou é apenas um homem comum, cheio de dúvidas e corroído, como todos os outros, pelo egoísmo, que não há espaço para ações nobres nestes tempos de alto individualismo e que aquele gesto, o presente para a irmã e o cobertorzinho comprado em uma loja popular, nada mais é do que um atestado de culpa.

Sim, todos somos culpados pela miséria que nos cerca, pelos maus políticos, pela destruição do planeta, pelas guerras, pelos dias de chuva, pelas dores de amor daqueles que não são desejáveis. Somos tão culpados que, como último consolo, acreditamos nessa farsa importada do Papai Noel, e até temos o desejo de ser um deles, não de vestir as roupas quentes, a barba branca e o olhar de amor, mas apenas de levar a alguém um presente. Como se, com isso, todos os nossos crimes, principalmente o crime da omissão, fossem automaticamente perdoados.

O difícil é tentar ser Papai Noel ao longo de todo o ano, em cada um de nossos gestos. Mas deixemos esta preocupação para o próximo Natal.

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