21:30
Você comeu alguma coisa leve porque não suporta dormir com o estômago cheio. Depois de um banho rápido, vestiu o pijama, fechou-se no quarto e ligou o rádio-relógio na mesma estação de sempre, aquela de músicas antigas.
Há tempos não vê mais telejornais à noite, para não sofrer nenhuma tensão neste horário. Deixa o escritório, onde ficam seus livros e um dos computadores, e segue direto para o quarto de casal. Neste momento, o cômodo é apenas seu.
Você coloca os óculos para leitura, acende o abajur e começa a ler um dos livros que o aguardam no criado-mudo.
22:17
Vencido mais um capítulo, ou um conto, ou um ensaio, você se prepara para se deitar. Desliza o corpo pelo travesseiro, empurra para o lado as almofadas e pronto, ei-lo, o sono.
Há antes um ritual. Você se vira algumas vezes na cama, como se procurasse uma posição melhor. Mas só existe uma. De bruços. As mãos sob o travesseiro. Muitas vezes acorda com os braços adormecidos, a sensação de que eles pendem mortos.
Isso quando você consegue dormir.
23:01
Bem, hoje não dormirá na primeira tentativa, prevista em seu relógio biológico para, no máximo, às 22:30. Você se virou tanto na cama que já está querendo se levantar. Sua mulher deitou bem depois e dorme em paz. Não sabe nada de seu tumultuado percurso até o sono.
Agora, você arruma novamente as almofadas, procura os óculos caídos num canto qualquer, retoma a leitura. A mente está totalmente desperta. É como se estivesse lendo pela manhã.
00:43
E se aproxima o seu segundo horário. Pode acontecer a qualquer momento. O limite é 01:15. Então você se prepara. Deixa o livro no criado. Apaga mais uma vez o abajur. O rádio-relógio ainda ligado. Não prestar atenção na música. Virar-se de bruços, afundar o rosto no travesseiro, enfiando as mãos sob ele.
O caminhão do lixo passa na rua e você se assusta com o barulho insuportável do maquinismo que compacta os detritos. É claro que só você ouve os ruídos.
Resta apenas se levantar e ir para a cozinha. Prepara um macarrão instantâneo, acrescenta presunto picadinho e requeijão cremoso. Come na mesa sem toalha. Amido tem um poder relaxante.
Deixa as louças sujas na pia, liga e tevê e assiste a um filme ruim. Quanto mais parado melhor.
02:13
Você está de novo no quarto. Tentará mais um banho. Quente e demorado. Deixar a água acalmar o corpo. Sem usar sabonete, sem molhar o cabelo. As luzes do banheiro apagadas.
Depois vai para o closet e escolhe outro pijama. O cheiro do amaciante (será jasmim?), o aconchego do tecido bem-passado, a pele aquecida pelo banho, o estômago forrado.
03:03
Você acorda. Não ouviu nenhum barulho. Não estava em um pesadelo. Nada. Só o retorno ao mundo. Você olha desoladamente o rádio-relógio. Vira-se diversas vezes na cama, arrancando o lençol do seu lado. O rosto queima. De tanto se esfregar contra a fronha, ele deve estar vermelho.
Agora, só terá sono às 5 da manhã. Há uma longa travessia. De novo o recurso da televisão. Nenhum interesse. De filmes eróticos a pastores falando sobre o demônio, nada o prende. Sua mente está a mais de mil rotações por minuto.
Alarmes disparam em pontos diferentes do bairro.
Pega o laptop, abre a internet e lê blogs e sites. É estranho. São notícias de ontem. As do dia que logo vai nascer ainda não foram postadas.
Responde alguns e-mails. Retoma um texto que está escrevendo, sempre olhando o relógio na barra de ferramentas.
04:16
Fecha o computador. Venceu as obrigações de leitura on-line e de escrita. Nenhum correspondente sem resposta, todos os textos providenciados.
Só planejar o dia seguinte. Localiza uma folha de papel e um dos muitos lápis que ficam espalhados pela casa e faz uma lista de tudo que deve fazer. Não é tanta coisa assim, e logo está novamente sem ter no que se ocupar. Planeja trocar o carro. Férias nas cidades históricas de Minas Gerais. Um novo romance, chega a rabiscar um título e a escrever algumas frases. E se se mudasse para a praia?
05:02
Você entra no quarto como um sonâmbulo. Mergulha nas cobertas.
06:00
O rádio-relógio desperta a família inteira. Hora das obrigações. Levar a filha na escola. Passar na padaria. Felizmente, o jornal já foi jogado no jardim da frente.
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