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Qual a distância que nos separa de quem está do outro lado do computador? Pode ser um minuto – tempo de ida e volta de uma mensagem, se o outro está conectado – ou mesmo uma eternidade, pois muitos jamais responderão. Nessas viagens, há um fuso-horário variável porque de caráter subjetivo. O fato de estarmos na rede não significa disponibilidade para o diálogo. O que conta não é a rapidez do meio e sim a importância que as pessoas dão umas às outras.

– Então, quanto você vale na internet?

Foi a pergunta que me fiz há uns dez dias, com o desejo de pensar as relações estabelecidas neste espaço tão volúvel.

Eu acabara de receber o e-mail de uma revista de São Paulo que pedia um recadastramento para me dar de presente uma assinatura. Estavam sendo solicitadas informações gerais, entre elas o celular.

Sou avesso ao uso do celular, ao qual me rendi por pura necessidade. Dar o número deste telefone a uma pessoa é reconhecer a im­­portância dela.

– Para quem eu revelaria o meu telefone?

Esta pergunta me levou a repassar o pedido da revista a uma lista de nomes de meu catálogo de endereços. Mudei um pouco o texto que recebi, e mandei a mensagem com os destinatários ocultos para que fosse algo impessoal, evitando a obrigação de resposta. Eis o teor da mensagem que enviei a centenas de pessoas:

– Caros, estou atualizando o meu mailing pessoal e, para isso, gostaria de confirmar/solicitar os dados que estão abaixo.

Fui escolhendo pessoas que realmente tivessem valor para mim, embora tenha deixado muitas de fora. Enviei tanto a grandes nomes da literatura brasileira quanto a amigos – apenas os que moram em minha cidade não foram incomodados. Havia um único vínculo entre eles – todos pertenciam de alguma forma à literatura.

Rapidamente, iniciaram-se os retornos. Abri uma pasta e fui organizando a nova agenda, agora com o celular de pessoas com que eu nunca tinha sequer falado. A minha resposta foi mais ou menos padrão:

– Obrigado por ter perdido um minutinho comigo.

Para estes correspondentes, eu valia algum tempo de suas vidas, pois preencher um formulário, além de ser uma tarefa detestável, não nos acrescenta nada, sendo mais uma das obrigações midiáticas. E, mesmo assim, muitos se empenharam em me atender. Foram mais de 70 respostas em dez dias.

Um romancista me escreveu:

– Se não for agora, quando?

Este me parece o segredo de quem incorporou o ritmo da internet. Responder na hora. Claro, há pessoas que precisam de tempo para pensar, para elaborar os argumentos. Outras não confiam em improvisações desta natureza. Há ainda aquelas sem intimidade com os teclados.

Sobre isso, soube de um caso ótimo. Uma senhora resolveu enfim aderir ao e-mail. Abriu uma conta, distribuiu o endereço entre os conhecidos. Mas não tem computador nem vai a lan houses. Ela faz um interurbano – uma vez por semana – para um sobrinho do Rio de Janeiro, que lê os e-mails para ela. Depois, imprime e manda tudo por sedex. Ela responde à mão, devolve ao sobrinho, que enfim providencia as mensagens. Prático, não?

Contando com tal temporalidade, mais algumas respostas ao meu e-mail ainda chegarão. Mas não haverá maiores surpresas. Para muitos, preencher aquela ficha seria uma perda total de tempo. O cara deixou para depois e não fez – como tantas coisas na vida.

Durante as horas seguintes aos envios – eu mandava a solicitação por etapa, sentindo melhor o processo todo –, fiquei atento à minha caixa de correspondência. E me espantei ao receber e-mails amistosos de gente importante e que não me conhece direito. Sim, ainda existe desejo de comunicação.

Na maioria das vezes, usamos a internet como emissores, desconhecendo que também somos receptores, e que ela só funciona nesta duplicidade de papéis. Como receptores, temos obrigações, das quais sempre fugimos para tentar garantir apenas os privilégios de emissores. Ao invés de perder o tempo com uma resposta que não me trará nenhum benefício, vou mandar mais um e-mail divulgando minha próxima participação nisso ou naquilo. A autopublicidade num nível totalizante é a grande praga da internet.

Uma coisa que deve ter assustado no meu recadastramento é o pedido do número do celular. Sempre bate o receio: esse camarada vai me pedir algo. É possível se esconder atrás de um computador simplesmente não respondendo à mensagem. Mas uma vez atendido o celular, temos que manter uma conversa. O celular suspende o direito de privacidade. O engraçado é que todos querem privacidade e também uma vida pública, uma e outra quando e da forma que lhes convém. A internet servindo a estes fins.

O que vou fazer com o meu novo mailing? Nada. Não mandarei livros não solicitados, não ligarei para pedir uma orelha ou um prefácio. Apenas encadernarei para guardar de recordação. Naquele ano de 2010, mais de 70 pessoas me entregaram todos os seus endereços. Eu não vivia assim tão só.

Mas sei que, se continuar solicitando coisas a esta mesma lista, ela vai encolher mais e mais, pois a internet cria fantasmas, que somem com a mesma facilidade com que aparecem.

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