Por coincidência, é o segundo ano que vou ao Rio antes do carnaval. Não gosto de carnaval. Dizendo dessa forma, não revelo minha implicância. Na verdade, eu simplesmente odeio-detesto-abomino o carnaval. Então, o Rio pré-carnavalesco não tem nada que me seduza. Os enfeites nos hotéis, as concentrações dos blocos, as rodas de samba, as fofocas do meio, enfim, nada disso me chamou a atenção nesta viagem recente à cidade. Passei pela cidade como se não soubesse dos preparativos para a grande festa de nossa nacionalidade.

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Minha primeira sabotagem a esta localidade para turista foi escolher um hotel no centro, às margens dos Arcos da Lapa. O centro do Rio, tão deteriorado, vem sofrendo uma valorização. Muitos prédios restaurados voltam a atrair as pessoas. O hotel em que nos hospedamos pertence agora a uma rede, que recuperou o antigo e elegante Hotel Serrador, que ficava em frente ao prédio do Senado, já devidamente destruído. Aqui se hospedavam os nossos senadores, digo para minha filha, que faz a viagem comigo. Ela ficou em silêncio. Talvez não saiba o que seja um senador.

Nossa primeira refeição na cidade seria emblemática. Sob um sol terrível, fomos a pé para a Lapa, cruzando os Arcos sob o olhar de mendigos que faziam uma fogueira na calçada, talvez para preparar algum alimento ou apenas para aquecer corpos regelados pelo álcool.

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Logo após os Arcos, encontramos o Bar Brasil, restaurante alemão fundado em 1907. Minha filha, como toda adolescente acostumada aos ambientes americanizados, torceu o nariz para o lugar, que mantém móveis da época da fundação. O chão é um pouco sujo para os padrões de limpeza de shopping. Propus outro restaurante, mas a fome dela devia ser tão grande que aceitou na hora a primeira provação. Era a segunda viagem que ela fazia sozinha com o pai, talvez quisesse agradá-lo. Pedi uma sugestão ao garçom, que indicou kasseler defumado, lentilha com linguiça, batatas assadas e arroz. Ela concordou de imediato.

O seu mau humor logo se transforma em bom humor. Ainda tenho que entender a rapidez destas mudanças. Bebemos nossos refrigerantes, pois ando abstêmio, e logo chegou a comida. Os pedaços de kasseler eram imensos, mal cabiam no prato. Ela atacou a carne, acrescentando rapidamente ao prato arroz, batatas e lentilhas, e terminou a refeição antes de mim.

Ver uma filha adolescente dar conta deste cardápio de lavrador deixa qualquer pai orgulhoso. Olhei para os móveis, para as paredes e para a vidraça do restaurante pequeno – não mais do que uns 20 lugares – e disse que talvez Machado de Assis tivesse frequentado uma daquelas mesas, na época de inauguração. Ela não falou nada.

Antes de sairmos, pediu sobremesa. Um pudim de leite que dividimos. Caminhando com lentidão, fomos olhando os prédios deteriorados. No hotel, ela cogitou a possibilidade de conhecer uma favela. Existem passeios guiados pelas favelas. Mas acabamos não procurando nenhuma agência para isso. Fiz o que tinha que fazer, e à noite combinamos um rápido passeio pela zona sul. Pegamos o táxi na hora em que caía um temporal. O taxista ia cortando as poças imensas nas pistas. Cruzávamos águas que deviam ter 30 centímetros de altura. Ela olhava tudo se divertindo. Não estava nos planos esta viagem de barco à selva.

No outro dia, no fim da tarde, fomos andar pelo centro, procurando a legendária Confeitaria Colombo, reduto do poeta Olavo Bilac. A multidão corria para casa, havia cheiro de todo tipo nas ruas velhas, muito lixo e aglomerações de gente. Vimos então um tumulto. Eram policiais tentando prender os camelôs, seguindo as ordens do novo prefeito. Achamos a confeitaria fundada em 1894, e minha filha ficou deslumbrada. Os espelhos, o ambiente escuro, os vitrais, os móveis, tudo era novidade para ela. Sentado a uma mesa de mármore, ela escolheu um doce que desconhecíamos – mil folhas de chocolate. Eu preferi pastel de chocolate com pimenta, e chá inglês. Nossos paladares estavam sendo amaciados por antigas receitas, que faziam com que mentíssemos para o tempo.

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Caminhando pela rua, já à noite, por ruas quase becos, seguimos para o hotel, onde a esta hora os senadores de décadas atrás deviam estar chegando das discussões acaloradas para os merecidos drinques.

O jantar estava marcado na zona sul. Um amigo foi nos buscar. Como não dirige, sugeriu que tomássemos o metrô. Mais uma descoberta para ela. Em São Paulo, andáramos muito de metrô. Mas no Rio nunca havíamos tentado isso, e ela se encantou com esta liberdade de sair à noite como uma autóctone.

No outro dia, o almoço foi com outro amigo que nos levou a um restaurante nas imediações do Paço Imperial. Um restaurante português, num prédio recentemente restaurado. Até pouco tempo, esses prédios eram abrigos de mendigos. O cardápio: porco assado, escondidinho de carne seca e batatas fritas em rodelas, como na minha infância. Ao fim, pedi um pastel de belém. Quando expliquei que este doce era feito basicamente com gema de ovo e açúcar, ela se retraiu. Depois de resistir um pouco, experimentou minha sobremesa e logo quis uma só para ela, comendo tudo com gosto.

Contei estas e outras aventuras a um amigo e ele quis saber se não fiz outros passeios, mais condizentes com a idade de minha filha. Sim, fiz, mas estes são todos iguais em qualquer lugar do planeta.