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Miguel Sanches Neto

Solidão eletrônica

Companhias noturnas

Somos uma geração de compulsivos eletrônicos. Não consigo ficar mais do que algumas horas sem olhar minha caixa de correio. Antes acordava somente para ir ao banheiro ou tomar um copo dágua na cozinha, agora acrescentei uma bisbilhotada rápida no computador para ver se, entre meia-noite e duas e meia da madrugada, alguém não tentou contato. E não é que às vezes encontro uma cartinha.

Dia desses, aliás, noite dessas, recebi um recado divertido. Uma amiga, sabendo de meus hábitos noturnos, me repreendeu: vá dormir, meu amor.

Fiquei alegre e dormi em paz o resto da madrugada.

Com.fissão

Pelo e-mail tenho vivido casos platônicos. No momento, estou apaixonado por algumas mulheres. Nós nos escrevemos quase diariamente, contando fatos os mais banais, como se fôssemos casais de longo curso. Sabemos de coisas um do outro que nossos cônjuges (sim, todas são devidamente casadas) desconhecem, nesta intimidade de deixar com que os dedos percorram livremente as teclas.

Era da intimidade

Raramente se é formal no e-mail. Apenas quanto recebo mensagem de setores financeiros, a abertura é mais sisuda, do tipo: prezado senhor fulano de tal. O e-mail está nos livrando de uma linguagem protocolar, estimulando a aproximação entre pessoas. Já nos primeiros contatos, a maioria dos meus correspondentes apela para a intimidade descarada e me chama de "caro", "querido" e "-íssimo" (pode ser filho-da-putíssimo ou amantíssimo, vá lá saber), e várias mulheres lascam um "meu amor".

Tá certo, é tudo meio falso, mas como é bom ler a mensagem que começa com "amor da minha vida" e termina mandando bilhões de beijos.

Bilhões de beijos

Taí, antes eu não recebia os beijos que agora recebo, e de pessoas com quem conversei uma ou duas vezes. Ficamos mais desinibidos, já partindo para estratégias de conquista. Em alguns casos, quando encontro pessoalmente a pessoa, nós nos cumprimentamos respeitosamente.

Agenda

Entre um compromisso e outro, entro no Outlook e vejo se alguém me escreveu. Se estou trabalhando no computador, de minuto em minuto clico na tecla de recebimento de mensagem, e fico esperando o programa fazer uma varredura em minha caixa de correspondência. A frase mais decepcionante é: "nenhuma mensagem nova". Mas continuo insistindo a cada instante e, quando chegam as mensagens, respondo imediatamente, com certo desespero.

Intrusos

Como o e-mail é meu principal contato com o mundo (detesto telefonemas), o que me enraivece mesmo é receber propaganda, piadinhas, filmes, enfim, o material que circula na internet. Quero palavras escritas para mim, nem que breves.

Fim-de-semana eletrônico

Na sexta à tarde, começo a sofrer com a diminuição dos e-mails. Respondo diariamente mais de 30 mensagens, e em certos dias chego a responder 50. Para mim, longe de ser sacrifício, isto é puro prazer, como se o prazer pudesse ser puro. Na sexta, a média cai para pouco mais de dez mensagens. No sábado, só as recebo pela manhã. E no final de semana é aquela solidão eletrônica. Muitas vezes, fico na frente do computador verificando se alguém me escreveu.

Se mais raro, o correspondente de fim de semana é alguém especial, pois dedicou parte de seu tempo de lazer para mandar umas palavras a você.

Vadiagem

No geral, as pessoas escrevem nos dias úteis, em horário comercial. Escrevem do trabalho, portanto. Chefes, fiquem de olho neles.

Umbigo

A internet fez com que qualquer lugar se tornasse umbigo do mundo. Sentimo-nos cosmopolitas morando na roça mais remota. É possível fazer parte das grandes discussões. Lemos blogs, consultamos sites, falamos com o amigo que mora em Nova Iorque como se fôssemos vizinhos. A internet nos livrou dos complexos provincianos.

Tudo por escrito

Encontro um amigo e falamos uns poucos segundos. Terminamos nossa conversa com uma ordem: assim que chegar em casa, me emeie. E vamos correndo para o computador, para pôr a conversa em dia.

Antes, para fazer isso, nós nos reuníamos nos bares. Agora, vamos para o quarto e dedicamos algumas horas às correspondências.

Verbo novo

Como vocês perceberam, foi criado um verbo novo. Emeiar. Eu emeio. Tu emeias. Ele emeia.

Então tá sabendo: assim que puder me emeie.

Lançamento em Curitiba

Lanço a coletênea Impurezas Amorosas, primeira reunião das crônicas publicadas nesta coluna, no dia 4 de dezembro, segunda feira próxima, às 19 horas, na Livrarias Curitiba Megastore do Shopping Estação – Loja 1.108 (Av. Sete de Setembro, 2.775 – Centro – Curitiba).

Quem passar para um dedo de prosa fará feliz este escriba.

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