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Personagens condenados à solidão são pontos comuns nos contos do escritor mineiro Luiz Ruffato no livro Domingos sem Deus | Divulgação
Personagens condenados à solidão são pontos comuns nos contos do escritor mineiro Luiz Ruffato no livro Domingos sem Deus| Foto: Divulgação

As vidas periféricas de Domingos sem Deus, do mineiro Luiz Ruffato (Record, 2011), estão presas à classe operária ou são oriundas delas, compondo um painel metonímico de um país literariamente subterrâneo. Embora tão presentes na sociedade, essas pessoas-narrativas não contam para a nossa cultura, porque se acredita, numa nítida postura patronal, que a alta literatura não pode ser feita com matéria tão precária. Contrariando esta presunção artística, Ruffato construiu uma pequena comédia humana (intitulada "Inferno Provisório", da qual este é o quinto e último volume) dando densidade de linguagem a esses seres invisíveis.

Tecnicamente, os seus romances nascem da justaposição de histórias autônomas, como se cada uma delas fosse um conto (pequeno ou médio) desligado do outro. O que os costura não são os entrecruzamentos de enredo, dada a independência das peças, mas as destinações a que esses indivíduos estão condenados. Neste Domingos sem deus, o leitor não encontrará a menor felicidade, pois os personagens trazem na memória ou nos fracassos as marcas de um passado de privações. Contra a ética hipócrita da autoajuda, súmula filosófica do consumismo capitalista, estes personagens fadados a uma solidão total não conseguem criar outras possibilidades de ser, e tudo que lhes resta (como acontece com o machucado jornalista Guto, de "Outra Fábula") é um esforço imenso para esquecer-se. Simbolicamente, ele se prepara para correr a São Silvestre, hábito novo este, lutando interiormente para afastar-se de um passado que não se descola dele. É como se o grande esforço da corrida, a provação física extrema, equivalesse ao trabalho de esquecimento.

Olvidar as dores não significa, no entanto, negar-se; é sim uma estratégia de sobrevivência: "decidiu romper com seu passado. E para isso procurou distanciar-se de tudo que avivasse ainda que vagamente suas origens" (p.81). Origens que continuarão latejantes, atormentando fantasmagoricamente essas pessoas. No primoroso conto "Milagres" (referência a um milagre retórico, sem transcendência), Cabeludo se esconde na beira de uma estrada baiana, cuidando de uma borracharia e vivendo sozinho, numa fuga de si mesmo.

Estes seres isolados aparecem dentro de narrativas igualmente isoladas, pois como estrutura os contos estanques querem representar o aprisionamento a um mundo. Por mais que os personagens saiam de sua terra (Rodeiro ou Cataguases – centro do universo narrativo de Ruffato) eles continuam dentro daquela história inolvidável – uma história que transcorre com grande rapidez. Ficamos sabendo de uma vida inteira em poucas e intensas páginas, em que a fala do eu (o narrador) é fraturada por múltiplas vozes, reproduzindo um ruído próprio dos estados de loucura contra os quais todos os habitantes deste mundo lutam.

Assim, saindo de Cataguases, voltando para ela ou vivendo à sombra dos anos passados lá, todos são almas penadas, vagando pelas grandes cidades, encalhados em lugares ermos. Não há realização, a não ser como manifestação irônica, como acontece com Sandra, que só conhece alguma estabilidade quando contrai aids e passa a receber uma pensão mínima – em "Sorte Teve a Sandra". Todos são terrivelmente sofridos, e apenas o sofrimento os identifica.

Os livros de Ruffato encenam, pela linguagem nova e perturbadora – que traduz formalmente o incômodo que é a presença de tais seres em nossa literatura certinha – este conhecimento denso das agruras de classe, o que faz dele uma das vozes mais humanas e revolucionárias da literatura brasileira.

Serviço:Domingos sem Deus, de Luiz Ruffato. Record, 2011. 110 páginas. Romance.

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