Quando me mudei para Curitiba, queria fugir do calor e da poeira do interior do Paraná. Não suportava ter os sapatos e as roupas sujas e sofria com o clima. A coisa que mais me encantou na capital foi descobrir que as mulheres gostavam de calçar botas, uma coisa impensável na cidade de minha adolescência.
Andando pela rua, eu olhava os pés das curitibanas e me deixava apaixonar pelo porte elegante delas, e imaginava como seria excitante despir uma daquelas fêmeas, do cachecol à bota. Só de pensar nisso, eu sentia arrepios. Arrepios de frio.
E o interiorano que só havia usado paletó uma vez na vida tratou de comprar seu primeiro blazer. Um blazer de lã, logicamente, para enfrentar o inverno. O paletó que eu usara antes era uma coisa coletiva. Servia a todos em Peabiru e ficava no estúdio do Foto Estrela. Imenso, tinha que ser ajustado com alfinetes para não denunciar sua inadequação. O fotógrafo, Nelson Ito, que viria a ser sogro de minha irmã, amarrava uma gravata no pescoço da pessoa, armava o paletó sobre o corpo dela e tirava a foto (quase uma montagem) para a identidade. Assim, todas as fotos de identidade daquele período trazem rostos diferentes, mas o mesmo paletó e a mesma gravata. Eu ainda visto aquelas peças na velha cédula de identidade que faço questão de manter no bolso, como recordação de um início de vida elegante.
Depois disso, foi um luxo usar o blazer cinza de lã sobre camisa de flanela (era moda) e uma calça jeans. Para não perder os hábitos roceiros, e para provocar um pouco, eu calçava botinas de elástico, de couro virado. E estava composto o personagem que desfilou por Curitiba no final dos anos 80.
Meu sonho era ter um sobretudo de lã, mas nunca cheguei a tal requinte. As temperaturas foram subindo, e se fizeram raros os momentos de frio, tão espaçados agora que não justificam o investimento.
Na Curitiba dos anos 90, passamos a ver lagartixas, que era algo impensável antes. Bananeiras também apareceram nos quintais. E aquele desfile de mulheres com muitas roupas de frio deu lugar a veranistas com peças mínimas, o que tem também o seu encanto.
Saudosista, quando percebo alguma possibilidade de queda da temperatura, gosto de passear pela cidade. Todos aproveitam a oportunidade para sair com suas roupas de inverno. E reclamam, com largos sorrisos no rosto:
Mas que frio, hein.
Isso não é nada, precisa ver quando neva.
A última neve é de 1975, mas parece que foi ontem, tão viva está na memória de todos. O fato é que gostamos do frio. E, à primeira ameaça, todos pedimos cafés bem quentes, esperando as neves que não vêm mais, apesar de tanto empenho psicológico.
O planeta está aquecido. As razões para isso são muitas e foram analisadas pelos alarmistas de todos os credos. Eu, que também sou alarmista, criei uma teoriazinha. Aí vai.
O planeta mudou sua rota e está mais próximo do sol. O calor não é conseqüência dos buracos na camada de ozônio, e sim de uma lenta e perigosa proximidade com o sol.
Isto explicaria muitas coisas. A primeira delas seria o aquecimento terrível da semana que passou. Alguém poderá dizer que teve também frio excessivo na Europa, etc. e tal, mas respondo que isso é apenas o reverso da moeda.
Outro fenômeno explicável por esta teoria é o encurtamento do dia. Como estamos fazendo o percurso mais próximo do sol, o dia ficou menor. Tenho certeza de que pessoas de todas as faixas de idade estão sentindo que não conseguem mais dar conta das obrigações nas poucas horas do dia. Levanto, leio umas páginas, respondo e-mails, como algo e mal chego ao trabalho e já está na hora do almoço. Muitas vezes, nem consegui ainda fazer a digestão do café.
E aqui aproveito para fazer uma proposta. Para recuperar o tempo perdido, precisamos eliminar o almoço de nossos hábitos. Um amigo meu, que se mudou da França para o Paraná, está revoltado com o que ele chama de nossa "mania de almoço". É, ele acha que almoçar é apenas uma mania. Não haveria mais necessidade desta refeição, bastaria jantar mais cedo, lá pelas seis da tarde.
Quando meu chefe me pergunta por que não fiz esta ou aquela tarefa, já me defendo lembrando-lhe que o dia diminuiu. E parto para a reivindicação, que não sou bobo de perder uma oportunidade dessas: temos que repensar a distribuição de trabalho.
Se a unidade dia é menor, então não estamos aumentando nossa longevidade, tal como apregoam os médicos. Nós não vivemos mais, apenas a extensão dos anos vividos sofreu um encolhimento. Morrer com 80 anos talvez seja o mesmo que morrer aos 60 no passado.
Outra questão geracional que esta mudança traz é o do prolongamento da permanência dos adolescentes na casa dos pais. Antes, partíamos cedo para o mundo, mas agora os filhos só deixam o lar depois dos 30. É que eles na verdade têm apenas 20 anos na medida de nossa época.
Por estes exemplos, vemos que o calor não é um fenômeno isolado, há todo um complexo sistema de mutações ocorrendo na Terra. À medida que nos aproximamos do sol, a tendência é que, por seleção natural, a humanidade toda vá adquirindo uma coloração mais resistente aos raios ultravioletas.
Sábio mesmo era o povo de Peabiru, que não investia em paletós. Em breve, estaremos tirando fotos para a identidade com o torso nu.