Quem diria, amanhã faz quatro anos de seu nascimento, hein?
Só isso? Nem dá pra acreditar.
O tempo voa digo.
Ele suspira profundamente:
Não do lado de cá.
Ei, como é que sabemos o que é lado de cá e lado de lá?
Aí do seu lado tudo é muito rápido. Aqui, muito demorado.
Não estou certo se estou mesmo do lado de cá. O que você acha?
Difícil de dizer, ainda não aprendi muita coisa por aqui.
Acho que nunca aprendemos nada.
É bem provável. Estamos velhos demais para aprender.
Ou novo demais.
Eu sou novo deste meu lado, mas velho aí do seu lado.
Faz-se um silêncio, não queremos ficar neste jogo de palavras. Então pergunto.
Turco, como é escrever na eternidade?
Canseira, uma grande canseira. Mesmo a eternidade é curta para quem quer produzir algo mais extenso.
Então não conseguiu terminar o romance definitivo, O grande mar redondo?
Nada é definitivo, nem a eternidade.
Não fuja da pergunta. Está ou não trabalhando no livro?
Quando sobra tempo, trabalho meio sem vontade.
Mas agora, sem os compromissos, não ficou mais fácil?
Aqui também tem chateações.
Não imaginava isso.
Pois é, sabe, sempre aparecem uns anjos precisando de uma campanha publicitária.
Ah, os políticos!
Parece praga, né. Uns anjos e uns santos que concorrem a cargos e precisam de meus préstimos. No momento, estou ajudando um santo que quer ser canonizado.
Aí também?
Pois é, mas este meu cliente... Posso chamar de cliente, não posso?
Não vejo problema.
O meu cliente tem chances de vencer as eleições.
E já bolou algum slogan?
"Só o Senhor é santo". O que você acha?
Soa bem. E tem apelo.
Talvez seja o primeiro santo assumidamente pecador.
E as coisas boas do sem-tempo? eu queria levar a conversa para outro rumo.
Tenho um quartinho aqui e não pago aluguel. Verdade que é um pouco pequeno, e numa região desvalorizada.
Amizades?
As de sempre, os perdidos, os que não deram certo na vida eterna.
Jogam baralho nas tardes monótonas?
O jogo está proibido por decreto divino. Mas a gente passa o tempo falando mal dos outros.
Isso não mudou nada.
É verdade ele ri com satisfação.
Quem poderia dizer que se passaram 4 anos desde que você morreu. Amanhã vou ler um de seus livros.
Falar nisso, como andam meus livros? Enfim faço sucesso? eu esperava esta pergunta.
Tudo do mesmo jeito. Você continua não sendo editado. Embora seja sempre mencionado por gregos e agregados.
Usam meu nome em vão?
Você ficou mesmo meio bíblico, hein? e depois e uma breve pausa: Usam sim seu nome em vão.
E pagam direitos autorais por isso?
Pagam não, turco. Sabe como são os caras. Apropriam-se de tudo sem dar a menor satisfação.
Ao menos já sou nome de rua, de escola, de biblioteca, alguma coisa assim?
Não que eu saiba digo, e ele emudece. Queria desejar um feliz aniversário de morte. Você está me ouvindo, turco?
Espero um minuto e Jamil Snege no além não responde. O telefone continua produzindo um chiado distante.
Você está me ouvindo? eu insisto. Está ou não está me ouvindo?
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