Ao final da leitura de um livro de ficção, sempre nos perguntamos quais as intenções do autor e da obra? Quanto mais inusitados os episódios e a linguagem, mais nos questionamos sobre os sentidos de uma narrativa. Esse é o caso do romance O Senhor do Lado Esquerdo, de Alberto Mussa, que, a começar pelo título enigmático, desloca o leitor.
Recriando o Rio de Janeiro de 1913, Mussa inventa um ambiente em que as novas tecnologias e os comportamentos sexuais inovadores ganhavam espaço é o alvorecer do mundo moderno nos trópicos. Há um médico polonês contemporâneo de Freud que estuda a sexualidade, e também técnicas recentes de investigação policial, como a análise das digitais. Com a ajuda da ciência, os policiais tentam resolver um crime: a morte de um político durante uma aventura amorosa.
Mussa simboliza todo este avanço na Casa das Trocas. Na antiga residência da Marquesa de Santos, cheia de mistérios e com um passado devasso, pois a dona fora amante de dom Pedro I, o médico Miroslav Zmuda mantém um consultório que esconde uma casa de encontros destinada à elite carioca. Enquanto mulheres e homens progressistas experimentam suas fantasias, o médico toma nota para desenvolver suas teorias sexuais.
Esse Brasil em modernização convive, no entanto, com um passado profundo, que vem das práticas mágicas do período pré-descoberta, reforçadas pela presença africana. É um mundo ambíguo. E essa ambiguidade (moderno/primitivo) está representada no personagem que faz às vezes de detetive no enredo policial: o perito Sebastião Baeta. Fruto de um caso entre um engenheiro de família tradicional de Minas e uma lavadeira negra, ele se torna funcionário da polícia, com especialização na Europa. Casado com uma mulher avançada, Guiomar, Baeta freqüenta a Casa das Trocas com ela, e também coleciona casos amorosos nos morros, pondo-se entre dois mundos sociais.
Durante suas investigações, ele começa a sentir a pressão desse pertencimento à cultura local. Duas figuras o levam de volta às suas origens: o mulato Aniceto e o macumbeiro Rufino. No contato com o universo esquerdo desses personagens, Baeta sofre uma contracolonização, rumo aos trópicos, às forças míticas. E o que era apenas um trabalho (descobrir o criminoso) se torna uma questão pessoal. Baeta e Aniceto entram em uma concorrência erótica para ser o maior conquistador da cidade. Nesta disputa, Aniceto leva vantagem porque tem um conhecimento a mais. Descobrir esse seu poder será resolver o crime. Aqui, o relato deixa de ser uma sequência lógica para entrar no domínio do místico.
Valendo-se da gramática do romance policial e do romance histórico, Alberto Mussa constrói uma narrativa sobre o mito. Enquanto narra peripécias detetivescas ou amorosas, pois se trata também de um romance erótico, ele insere verbetes sobre o Rio de Janeiro. Esses pequenos ensaios funcionam para suspender a narrativa, criando uma tensão erótica: o leitor tem de esperar pelo próximo episódio enquanto recebe informações sobre a cidade do Rio de Janeiro.
Escrito com uma minúcia matemática e uma abertura para as simbolizações, num diálogo entre o presente e o passado, o Senhor do Lado Esquerdo é uma síntese do Rio de Janeiro, espaço urbano e selvagem ao mesmo tempo, em que o sexo, a magia e o crime são manifestações de uma identidade que se soma ao progresso para modificá-lo.
Com este livro, Alberto Mussa atinge a estatura de um Mário de Andrade de Macunaíma.
Serviço
O Senhor do Lado Esquerdo, de Alberto Mussa. Record, 288 páginas, R$ 32,90
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