Quando, anos depois, a mulher reapareceu, o marido vestiu o mesmo sorriso da época de namoro.
Ele tinha os cabelos brancos, mas ela mantinha os seus mais negros do que na juventude, embora um arco prata já se manifestasse nas raízes. Ele não viu este arco. Apenas disse:
Você continua linda.
Tenho que pintar os cabelos ela respondeu, constrangida com aquela manifestação de velhice.
Eles se abraçaram, e ela chorou no ombro ossudo daquele homem.
Eu estava ficando preocupado ele disse, como se ela voltasse atrasada de um passeio.
Alguém podia ser assim tão compreensivo? Passam-se os anos e é como se apenas algumas horas tivessem transcorrido. Tamanha candura a afastara dele, ela se lembrava muito bem do que sofrera com esta forma de ver as coisas, mas agora isso talvez fosse necessário, alguém que ignorasse o tempo.
Entre, entre ele disse.
E era boa esta pequena repetição de palavras.
Ela entrou na casa que um dia fora sua. Os mesmos móveis, a mesma cor nas paredes, reconheceu a foto dos dois no aparador manchado. Eles continuavam felizes naquele mundo aos pedaços.
Quando eu saí de casa... ela começou.
Você nunca saiu de casa ele disse, alegre.
E, olhando para a foto, eles se beijaram.
Eu sabia de você pelos conhecidos. Havia sempre alguém para dizer que agora sim você estava bem. Tinha encontrado um amor intenso.
E foram tantos amores intensos ela disse, num meio sorriso.
Logo vinha a novidade: ela abandonou o seu homem, está com outro mais jovem.
Nunca estamos com os jovens ela olhava fixo para uma infiltração na parede.
A sua mala?
No hotel.
Vamos buscar depois.
E os dois foram para o quarto.
Depois de tudo, os corpos ainda se reconheciam. Os encaixes se fizeram suaves. E eles dormiram com a luz do dia banhando a colcha desbotada. Acordaram no final da tarde.
Ele se levantou primeiro e tomou uma ducha rápida. Voltou com os cabelos úmidos, vestindo roupas antigas.
Ela entrou no banheiro enquanto ele se arrumava diante da penteadeira era um móvel que os dois haviam comprado durante o noivado. Ela queria um jogo de quarto sob medida. Ele a convenceu a ir a um antiquário e garimpar ao menos uma peça com passado, essa palavra tão pesada.
Ela se demorou no banheiro, voltou com as mãos brancas e enrugadas do muito tempo expostas à água. Sobre a cama, um de seus vestidos de outrora. Não, não caberia nele. Foi ao armário e encontrou todas as suas roupas, os vestidos cobertos por plásticos. Não levara nada ao aceitar o chamado do mundo. Partira com a roupa do corpo, depois de uma noite com o novo amante, um empresário de outra cidade. Nas gavetas, as suas peças íntimas, os frascos de perfumes e os cremes amarelados. Não voltava para casa, mas para um museu de si mesma.
Vestiu as roupas escolhidas pelo marido. Ficaram apertadas na cintura. Precisava começar urgente um regime. Olhou-se no espelho, sentindo-se uma imitação de si própria. Uma quase velha naquelas roupas sem uso, mas visivelmente antiquadas.
Ao chegar à sala, a festa à fantasia se completara. O marido pusera na vitrola a música deles. Só o abajur estava aceso. Dançaram se beijando, depois abriram um vinho. E a bebedeira veio rapidamente não comiam nada desde o café da manhã.
Me leve ao hotel ela pediu.
Eles se olharam na semi-escuridão.
Preciso tomar uns remédios ela mentiu.
Ele acendeu as luzes, devolvendo-a à realidade.
Vou me trocar ela falou.
Vamos assim mesmo.
Ele queria prolongar a brincadeira. Está bem, ela pensou.
Em silêncio, seguiram de carro pelas ruas. A cidade era outra. Prédios surgiram no lugar das mansões com quintais imensos. Ruas haviam sido alargadas. Tudo tão novo. A casa que fora deles mentia. Não se pode parar a máquina oculta. Eles olhavam para uma loja no momento em que o carro esperava num sinaleiro. Jovens cobiçavam as roupas coloridas das vitrines.
Uma buzina agressiva o despertou para o sinal aberto. Ele ainda demorou uns segundos para reagir.
Arranque o carro ela ordenou.
E logo eles estavam no Centro. No estacionamento do hotel, ele pediu:
Posso subir?
Melhor não.
Então aguardo aqui.
Estou cansada. Foi uma viagem longa. Ligo amanhã.
E ela saiu do carro sem deixar que ele dissesse nada.
Sentiu o olhar do marido às suas costas. Acompanhava cada movimento, estudando a transformação daquele corpo. A porta automática abriu e fechou. Ela não olhou para trás e não pensou mais nele. Tinha que imaginar uma história qualquer sobre aquelas roupas para contar ao namorado, que já devia estar no apartamento, preparando-se para o vôo da madrugada.