Meu pai, o véio Lulo, tinha uma filosofia de vida como um bom contador de histórias: A verdade nua e crua não é muito agradável de ser ouvida. Na sua sapataria, no Batel, rolavam as aventuras dignas do Barão Munchausen. Tesouros enterrados em panelas, aventuras entre os índios, caçadas espetaculares quando enfrentava onças de peito aberto ou então se livrava de um poderoso abraço do tamanduá bandeira. Os contos iam surgindo e o silêncio da platéia se refletia no brilho dos olhos admirados. Era a Academia da Mentira do Batel, que vivia lotada pela rapaziada da região para ouvir o contador de histórias.
Hoje lido com a história de Curitiba, principalmente através de imagens de fotos antigas e, por obrigação, me atenho à realidade dos fatos ocorridos, entretanto sinto que ao desvendar um mistério estou sendo um desmancha prazer; o público adora o imponderável. Romário Martins, o nosso historiador, muitas vezes criou lendas para explicar o que não tinha esclarecimento.
Curitiba é cheia de lendas, daquelas criadas em noites frias em torno da quentura de um fogão a lenha. A maioria dessas lendas tem seu epicentro em torno da Praça Tiradentes. Foi ali que Romário Martins colocou o cacique Tindiqüera mostrando ao homem branco onde ele devia ficar, fincando um varejão no terreno, cuja vara brotou, verdejou e transformou-se em frondosa arvore florida. Está explicado como nasceu Curitiba, isto obviamente na falta de uma informação mais correta.
As ruínas do Alto do São Francisco alimentaram a imaginação popular com tesouros dos jesuítas, túneis que ligavam o interior da Matriz na Praça Tiradentes com as ruínas, que nunca foram ruínas e sim a construção abandonada da igreja nunca acabada. Na década de 1940 um operário da prefeitura ao aplainar a travessa que ficava entre as ruínas e a Sociedade Garibaldi acabou topando com um pote de moedas, o que veio ajudar a alimentar a lenda de tesouro ali enterrado. As moedas nada mais eram do que dinheiro atual ainda em circulação.
A imaginação não tem fronteiras. Uma obra da prefeitura estava sendo executada no leito da Rua José Bonifácio, ao lado da Catedral. Na escavação foram encontradas ossadas humanas e, então, correu como um rastilho de pólvora que havia sido descoberto um cemitério indígena na Praça Tiradentes, coisa que muita gente teima ser verdade ainda hoje. O fato real é que a antiga Matriz de Curitiba, demolida em 1876, ficava naquele local. Era então costume se enterrar os mortos católicos sob o assoalho das igrejas. Os ossos encontrados eram de curitibanos ali enterrados antes de 1854, quando foi criado o Cemitério Municipal.
Recentemente, em outra escavação na praça, foram encontradas sarjetas de pedras que serviam para conduzir as águas das chuvas, afim de não criar erosão. Este tipo de condutor pluvial esta instalado no final do século dezenove e começo do vinte. Quase se cria outra lenda quando começaram a achar que tal obra feita com pedras eram calçadas, também jesuíticas.
Os mistérios da Praça Tiradentes continuam a surgir e talvez nunca parem de existir. Agora que foi encontrado o tal vidro ao pé da estatua de Tiradentes, com mensagem e moedas a imaginação vai mais longe. Ninguém vê este fato com naturalidade, como era, e é, costume ao se fazer certas obras inserirem numa pedra fundamental fatos de acontecimentos tidos na ocasião. O tal vidro encontrado dá a impressão de ter sido fornecido pela farmácia fronteira ao monumento, num quebra-galho de última hora. Agora a prefeitura está afim de achar outro recipiente com mais histórias. Um ritual acontecia com a estatua do Tiradentes todo ano, em abril, ela era lavada e limpa por entidades policiais, já que o mártir é patrono das mesmas. Entretanto uma coisa é certa, Curitiba é o único lugar que tira a pátina, o azinhavre, dos monumentos feitos em bronze, deixando-os como se estivessem sido inaugurados há poucas horas.