Se alguém quiser me ver ouriçado é só falar mal de duas coisas: da minha cidade natal ou do bairro onde nasci e sempre morei. Ao contrário, me sinto satisfeito com quem realmente gosta de Curitiba; principalmente, quando encontro velhos companheiros e conhecidos que desfrutaram a convivência nos bons tempos do velho bairro do Batel, meu rincão do coração.
A minha nostalgia pessoal que quando posso sempre transfiro para esta página está ligada a cada pedaço que palmilhei na minha infância, juventude e agora na velhice, vagando na memória pelas esquinas perdidas, pelos armazéns e outras casas comerciais. As casas da gente amiga, onde o piá xereta entrava pelas cozinhas e guardava imagens, sons, cheiros e sabores no sótão da cachola, tesouros que hoje afloram em inebriantes recordações.
Os engenhos de erva-mate, o prédio do museu, os bondes ruidosos sobre seus trilhos, o bosque da cervejaria Providência, o Parque Cruzeiro com churrascos e costelas em ripas, a padaria dos Bürguel, depois Armazém Contin. As missas, novenas, procissões e as festas na Igreja de Santa Terezinha, com o padre Jerônimo Mazarotto resmungando: "Não diga nome menino!"
Repentinamente, o botão da memória foi acionado nesta quinta-feira. Na coluna Entrelinhas, aqui da Gazeta do Povo, aparece uma nota chamando a atenção para quem quisesse participar de encontros, piqueniques e mesmo troca de brinquedos, e para tanto comparecessem ao bosque que pertenceu à família Gomm. Bosque dos Gomm! Coisa que já era!
Piá andarilho, fuçador e criado na Avenida do Batel, cuja casa tinha o número 1202, eu conhecia muitos endereços da própria rua. O bar da Churrascaria Cruzeiro onde o velho Germano fabricava e vendia os sorvetes que doíam no céu da boca ficava no número 1546. Outro endereço inesquecível era identificado pela placa com o milhar 1824, ao lado de um enorme portão de ferro que sempre estava aberto, tendo na entrada um mata-burro feito com trilhos de aço que, atravessado, dava para uma alameda coberta de pedregulhos brancos até uma soberba mansão cercada de pinheiros, eucaliptos e outras espécies de arvoredos. Era a residência da família Gomm.
De origem inglesa, o patriarca Henry Gomm estava ligado ao comércio de erva-mate, casou com a filha de outro inglês, da família Withers, moradora no Batel desde o século dezenove e que tinha uma indústria de embutidos na região do Barigui. A mansão de mister Gomm era um dos orgulhos do bairro. Após seu falecimento, a viúva, Dona Isabel, fazia questão de fazer, na época do Natal, uma festa onde reunia amigos e, principalmente, conhecidos moradores do bairro, que participavam da ceia e dos brindes natalinos. Dona Isabel fazia questão de preparar suas receitas de bolos e pudins a serem servidos aos convivas.
Particularmente, tenho a satisfação de ter conhecido tais iguarias já que minha tia-avó Eliza trabalhou para a família Gomm por muitos anos e era uma exímia cozinheira, cujas prendas culinárias ela adquiriu com aquela matriarca, o que muito a recomendava.
Hoje estou usando esta página memorialista para prestar uma homenagem especial aos herdeiros desse nome britânico tão importante para a história do meu bairro e de tantos outros, reverenciando o nome do velho Batel. As fotografias que a Nostalgia mostra hoje têm a presença de gente que pertence a uma velha estirpe de conservadores que fizeram e fazem parte da história desta cidade sem portas, a nossa imbatível e fascinante Curitiba.