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Sabemos que literatura é uma arte que se destina a uma imensa minoria.

Mas o mundo do espetáculo (leia-se: grana) não se conforma com isso. Sendo tudo espetáculo, trate-se de eleições, de futebol, de culinária, por que não a literatura? Os marqueteiros chegaram lá.

Em outubro surgiram dois exemplos, um na França e, outro, nos EUA.

Na França, foi publicado um romance – Une Tombe Bien Fleurie – patrocinado pela Académie Balzac. Obra coletiva. Reunidos após seleção, 20 jovens escritores foram trancafiados no Château de Brillac durante três semanas. Espécie de BBB literário: dez deles acabaram sendo eliminados pelos internautas. Filmados de todos os ângulos, com transmissão ao vivo pela internet, e, "a 40 mãos", como diz a peça publicitária da livraria virtual Chapitre, produziram 196 páginas de um "polar" (o romance policial dos franceses).

A meu ver as vinte cabeças e as quarenta mãos não foram nada criativas, pois pariram uma historinha "dejà vu". Um velho escritor, que teve fama e sucesso, julga que sua única saída é morrer. Para proteger sua dedicada esposa, procura simular que seu suicídio foi morte natural. Dá tudo errado. O inferno se instala.

Historinha esquemática, roteiro de filme de terceira categoria. Sucesso garantido na televisão e nos telões. Capaz de abiscoitar algum prêmio em um dos milhões de festivais de cinema mundo afora.

O outro exemplo – Endgame – vem dos EUA, onde escolas de escritores insistem em ensinar a escrever. A escrever best-seller, é claro. Todos deveríamos escrever, eis a receita, como um cirurgião opera: seguindo protocolos.

O romance norte-americano é de ficção científica, cheio de tragédias, explosões e assassinatos, como se espera de um país que glamouriza a violência. Mas não basta. Os marqueteiros acharam o gancho literário. A obra se vincula à internet, ou seja, aos games.

No livro existem links para páginas da rede nas quais se encontram pistas e chaves para a solução dos enigmas. Tudo se resume em desvendar um mistério confuso, que passa por cavernas, acidentes, tiroteios, escavações, mensagens cifradas. Os direitos para cinema e televisão já foram vendidos. Os personagens são, como diria o Chaves, ou seja, o Chapolim Colorado, friamente calculados: de várias nacionalidades, pois o mercado é o planeta.

Não basta. Os autores – no caso, dois; quatro mãos – oferecem ao primeiro que desvendar o mistério US$ 500 mil em moedas de ouro.

O máximo em prazer literário. Balzac viraria cambalhotas.

Os leitores sabem que o camelo é um bicho feio, um híbrido, patas de cavalo, pernas de avestruz, cabeça de alce, orelhas de burro, rabo de espanador etc. O que lembra uma máxima do Millôr: "Todos os animais são belos e foram criados por Deus, exceto o camelo, que foi criado por um grupo de trabalho".

Balzac – uma cabeça; duas mãos – sem patrocínio e com credores à porta, faria melhor. Mas Balzac, nesse mundo do espetáculo literário, trabalharia forçado e continuaria de bolsos vazios.

Já as cabeças dos marqueteiros podem ser vazias, mas seus bolsos estão sempre cheios.

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