Uma característica da civilização brasileira, fruto da soma entre baixo letramento e o desejo de resolver as coisas rapidamente, é sua aversão aos manuais de instruções. Não sei se é o seu caso, mas me vejo como filho desse modelo cultural “almanacofóbico”: simplesmente derreto de indolência diante de qualquer volume cujo título seja “Manual”, em especial no campo dos aparelhos eletrônicos ou mecânicos.
O que, devo admitir, é de uma burrice sensível, muito mais quando o manual não é daqueles feitos para complicar a vida do freguês, como os escritos em 38 línguas menos o português, ou que trazem imagens desatualizadas, códigos que não batem com os dos parafusos no pacote ou símbolos incompreensíveis.
Se a tela brilhou e o aparelho não cheirou a queimado, está valendo
Deixando de lado os manuais ruins, o fato é que muitas vezes demonstramos impaciência com a etapa elementar de examinar as instruções antes de enfiar o aparelho novo na tomada e clicar no botão de ligar. É uma forma de pragmatismo que, para outros povos, namoraria a sabotagem. E que, desconfio, também revela nossa crença inconsciente naquela fagulha de magia que, como observou Arthur C. Clarke, existe em toda tecnologia suficientemente avançada. Fiat lux: se a tela brilhou e o aparelho não cheirou a queimado, está valendo. E o resto das funções a gente aprende assim, na medida da necessidade ou, então, jamais. Fatalismo tecnológico – aquela função incrível, oculta naquele botão que bastava só apertar do jeito certo, apenas não era para ser.
Curioso, mas não necessariamente contraditório, é verificar que, ao mesmo tempo em que esquecemos os manuais dentro das caixas de papelão, manifestamos um amor kafkiano pela normatividade. Alimentado por um sistema legislativo que mais parece uma cornucópia burocrática, a cada semana o “Manual Brasileiro de Instruções” ganha centenas de leis, decretos e regulamentos. Em boa parte dos casos, peças de baixa qualidade ou voltadas a interesses particulares embutidos em parágrafos redigidos sem dor nem peia.
Vantagem daqueles brasileiros que leem os manuais e jogam com eles embaixo do braço, como Eduardo Cunha e sua maldita longevidade institucional, ou mesmo os juízes e promotores que, nos últimos meses, tornaram a vida de políticos e empresários um inferno. Pelo bem do país ou por interesses menos confessáveis, eles vão escrevendo a história; quanto a nós, ao menos enquanto insistirmos em não ler os manuais da realidade, restarão apenas a raiva, a crença no boato e a impressão de que, no fundo, vige mesmo alguma espécie de magia que favorece ou condena este ou aquele personagem.
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