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Os poetas românticos, li em algum lugar, foram os primeiros cultores do “olhar estrangeiro”, aquele estado de espírito que permite ao indivíduo mergulhar em uma realidade cultural diferente da sua e dela extrair uma experiência estética e psíquica digna de registro. Pois foi como um poeta romântico – curitibano às voltas com uma brasilidade antiga – que me senti há alguns dias, quando, em viagem ao Espírito Santo, tive a oportunidade de me unir a uma procissão em homenagem a São Benedito.

A cerimônia acontece no Centro Velho de Vitória, região de ruas estreitas e ladeiras de pedra que testam a fé e as pernas dos fiéis que frequentam as igrejas, capelas e conventos semeados ali nos séculos 16 e 17. Pois eu havia lido alguma coisa no jornal e, para sair um pouco da rede – onde havia permanecido por muito tempo, hipnotizado pelo sol –, calcei os chinelos e fui até lá com a patroa.

Cumprimentos, sorrisos e abraços eram distribuídos com o mesmo afeto pelo qual o santo negro ficou conhecido no sul da Itália há 500 anos

Cheguei meio de lado, um pouco desconfiado, e encontrei uma celebração realmente interessante. Pequena, mas muito colorida e altamente fogueteira. Com direito a andor, estandarte e fiéis vestidos com os trajes da Irmandade de São Benedito dos Homens Pretos, quase tão velha no mundo quanto o próprio santo. E uma banda marcial que tocava hinos católicos em ritmos caribenhos.

Aqui e ali, pelo trajeto entre a colonialíssima igreja de Nossa Senhora do Rosário e a sisuda catedral neogótica do século 20, o cortejo era recebido por devotos da umbanda e sob os aplausos da vizinhança. Cumprimentos, sorrisos e abraços distribuídos assim, com o mesmo afeto pelo qual o santo negro ficou conhecido no sul da Itália há 500 anos. Com a música e a irregularidade do calçamento, aliás, o andor vinha meio dançando, o que conferia um caráter ainda mais fantástico à cerimônia. Engrossando o cortejo, velhotas marchando como soldados da fé e turistas suarentos batendo palmas (e, no meu caso, deixando algumas lágrimas pelo caminho por causa da beleza do momento).

Ao chegar à praça da catedral, a bulha aumentou, para se aquietar assim que a imagem adentrou o edifício, onde a missa só estava à espera do homenageado. Fim do foguetório. Do lado de fora, a retreta atacou os últimos acordes de “abençoa, Senhor, as famílias” em ritmo de ska e se dispersou, devolvendo o Centro Velho de Vitória ao silêncio de tarde de domingo.

E eu voltei para uma rede que balançava devagarinho, onde, estrangeiro, fiquei a perceber, em cada elemento da experiência – dos homens pretos às beatas, da umbanda à catedral neogótica –, um pouco (e um muito) do que também sou. Valeu muito a pena.

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