Dia de semana no Centro de Curitiba, mais exatamente na Praça Tiradentes, no ponto de ônibus que fica em frente ao antigo Mercadorama. Estou ali esperando o coletivo por umas 3 da tarde enquanto, no outro lado da rua, na praça, vai passando um cidadão. Magrinho, requeimado de sol, roupas surradas meio grandes para aquele metro e meio de altura. Um andarilho, como as dezenas que circulam pela região e estacionam ali, entre os bustos do Marechal Floriano e de Getúlio Vargas.
Meu personagem caminha devagar, com um gigantesco saco de pano azul nas costas. De repente para, entra no gramado e olha para as árvores. Descarrega o saco das costas, que coloca no chão e abre. E o saco não é um saco, mas uma rede de dormir, das grandes, que ele desenrola com cuidado. Puxa uma das cordas, amarra em uma das árvores, puxa outra corda, amarra em outra, verifica se a altura está certa e embarca. E, de repente, está lá, deitado de comprido em uma bela rede anil, brasileiríssima – um grande casulo azul em pleno Centro Velho de Curitiba.
Em certa medida, a rede de 2017 configurava uma espécie de atavismo curitibano
Ao meu lado, na pequena fila do ônibus, duas mulheres também testemunharam a cena. Uma delas, indignada, vira para a outra e diz que não falta mais nada para Curitiba virar uma bagunça. “Agora, eles vêm até de rede! Ninguém controla esse povo. Chama o Greca!”, higieniza. A segunda, com estranho pragmatismo, observa que aquele homem, pelo menos, estava em uma rede, enquanto “a maioria fica jogada por aí, assim”, pelos cantos e até esparramada no petit-pavê. E conclui, com uma imagem inusitada: “se todos os pobres de Curitiba tivessem redes, a cidade seria muito mais limpa”. Não ousa, porém, sugerir ao alcaide que distribua redes aos desvalidos da sorte.
Enquanto finjo mexer no celular para escutar a conversa sem ser chamado a participar, penso que, em algum lugar do passado – fim do século 17, século 18 –, a maioria dos curitibanos dormia em redes muito parecidas com aquela. E que talvez, quando a Praça Tiradentes cumpria um papel mais real e menos arquetípico de Centro da cidade, garimpeiros, tropeiros e romeiros tenham armado suas próprias redes de dormir nas árvores antecedentes. Em certa medida, então, a rede de 2017 (outro pensamento inusitado) configurava uma espécie de atavismo curitibano.
Entro no ônibus e, em questão de minutos, o Centro da cidade é lavado pela chuva – o que desmonta a ideia, passada ou presente, de dormir em uma rede ao ar livre sob o céu curitibano.