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Conversando com um amigo chinês, descubro o valor etnográfico de uma simples pausa para o chá. A coisa corre assim: você é convidado a se sentar e, enquanto a conversa vai fluindo, a água ferve no fogão. Da chaleira, passa para um pequeno bule de porcelana, onde fica por alguns minutos cozinhando a erva. Em seguida, é servido com certa cerimônia em xícaras minúsculas e sem alça. Dois goles e está resolvido.

O chá tem gosto de nada que eu tenha provado antes, de terra e de guardado, saibo de coisa antiga

A bebida é chá preto fermentado, conhecido na China como PuErh. Antiga bebida dos nobres, revela o interlocutor, um dos raros chás, segundo ele, colhidos, prensados e guardados pelo tempo necessário para adquirir o melhor sabor. “Os melhores PuErhs ficavam escondidos por sessenta anos”, conta. “Esses valiam mais do que ouro.” Só mesmo a cultura chinesa para engendrar tamanha paciência de consumo – e tudo por alguns instantes de satisfação gustativa. Extraordinário.

Ele vai até a cozinha e volta com uma bolacha de erva prensada. Escura, seca, do tamanho da palma da mão. Meio cara de maconha: se eu levasse uma desses na mochila, talvez tivesse problemas com a polícia, bobageio.

No passado, os PuEhrs eram prensados em diferentes formas – disco, ninho, tijolo, placa, cogumelo e até abóbora – de acordo com a região e com o público. Segundo a crença, as formas não só eram sinais distintivos, como também conferiam certa energia à bebida. Chás Yin, chás Yang – outra ideia bacana do vetusto Império do Meio.

Para preparar, o cidadão quebra um pedaço da bolacha e a coloca em uma peneira, que recebe a água quente. O chá tem gosto de nada que eu tenha provado antes, de terra e de guardado, saibo de coisa antiga. Sem registro no primeiro gole. Nos sorvos seguintes, inscrito em tanta gentileza e em tanta história, ganha um belo sabor.

Conversa vai, conversa vem, e os dedais de porcelana são esvaziados quase imperceptivelmente. O diálogo, aliás, é costurado por repetidas ofertas e aceites, coisa que, desconfio, tem lá sua influência confucionista. Uma elegância discreta de servir e de demonstrar gratidão, quem sabe.

A cada rodada, a bebida fica um pouco mais clara – a primeira tem cor de Coca-Cola, a quinta ou sexta tem cor de vinho suave –, e isso é outra revelação cultural. Toda extração, observa o interlocutor, tem seu próprio gosto e seus próprios aficionados. O chá é a própria estética.

Pela sétima rodada, o fogo é apagado. Brincando, passaram-se quarenta e cinco minutos, e é hora de voltar ao trabalho. Bom chá, boa conversa, bom dia!

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