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Há algum tempo venho acompanhando um pipocar de notícias sobre os “veículos autônomos”, carros e caminhões que somam mecânica, eletrônica e inteligência artificial para dispensar solenemente o motorista. O que mais chama a minha atenção é o fato de que as reportagens já não trazem títulos como “Saiba tudo sobre os carros autônomos”, mas sim chamadas do tipo “Carro sem piloto provoca acidente fatal nos Estados Unidos” e “Uber lançará serviço com carros autônomos em duas semanas”.

Em outras palavras: enquanto eu ainda quero saber como funciona uma tecnologia tão tranchã, em parte do mundo ela já entrou em fase da naturalização, surgindo na mídia como apenas mais um elemento associado às inescapáveis mazelas da vida. Pelo andar soberano da carruagem sem cocheiro, aliás, é possível imaginar que, no futuro, pauta, mesmo, será o carro pilotado por um falibilíssimo ser humano.

As aparentes vantagens do carro autônomo talvez não sejam suficientes para que os motoristas entreguem o volante

Empresas que lideram o processo de pesquisa e desenvolvimento, como Google e BMW, informam que ainda não há um carro 100% autônomo, do tipo “fusca, dê um pulinho na padaria para mim”, mas apenas versões de piloto automático que pedem a presença do parceiro humano em caso de problema. Justo, em especial porque a tecnologia envolve um número gigante de variáveis, da atualização permanente dos mapas viários do mundo a questões jurídicas de um universo completamente novo.

Isso tudo, porém, é pouco diante da marcha tecnológica: no que depender da ciência, em questão de uma década a porção biológica associada ao funcionamento do carro estará desobrigada do volante e poderá dedicar mais atenção aos aplicativos de celular ou brigando com os filhos no banco de trás do carro.

As próprias empresas, porém, parecem perceber que, em se tratando de carro, resiste uma questão cultural associada à motorização. Nada mais, nada menos do que aquele amor, aquela percepção norte-americana do carro como uma espécie de “feudo ambulante” ou como extensão da própria identidade. Um tipo poderoso de simbiose biônica que faz, por exemplo, com que certos motoristas desprezem a consagrada direção automática por considerá-la uma espécie de limitador da liberdade de esticar as marchas.

Ou seja: a despeito das aparentes vantagens sensacionais do carro autônomo – que não bebe, não erra o trecho, não fura o sinal e não tira meleca do nariz enquanto dirige –, elas talvez não sejam suficientes para que os motoristas entreguem o volante. Ao menos, enquanto a própria ciência não encontrar uma ocupação tão envolvente quanto dirigir.

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